edição 42 | setembro de
2010
moita
que
águas-vivas elegância
tatame
quem
pode phode quem
não phode bate
com a mão abducción
con cumplicidad
phoenix ressurgir
das cinzas como labareda e
com a brasa acesa
pôr
fogo n'aranha pro_posição eu
te proponho um
naco de realidade e
um sonho : és
do ramo — abre tua flor quebra
meu galho eu
me arrasto tu
te arrastas nós
nus (um
sobre o outro) um
estado permanente de bater coberta
de cisma pilha
de nervos ameaça os outros e
a si mesma
Ele
fica me olhando com cara de bobo. Eu tento esquecer que ele está ali. Faço
de conta que estou sozinha com a câmera, a luz vermelha piscando e
piscando e piscando quase no mesmo ritmo com que eu me toco. Tinha visto
um filme no qual um cineasta testa várias atrizes para um filme que
pretende rodar. Elas se masturbam na frente dele, às vezes transam com
outras atrizes ou candidatas a. Antes e depois, falam e falam e falam. Ele
não é um cineasta, não é nada, um nada com cara de bobo e uma ereção
esperando que eu o chame. Eu me masturbo e vou até o fim e o proíbo de
dizer ou fazer o que quer que seja enquanto eu me masturbo e vou até o
fim. A cama é enorme e o lençol branco cobre apenas os meus pés. Depois,
tomo uma ducha enquanto ele me espera na sala. Assistimos à gravação. Ele
está muito excitado. Estamos sentados no sofá de três lugares, cada qual
em um extremo. Bebemos vinho. Eu digo a ele agora, sim. Mas não olhe para
mim. Ele abre a braguilha e coloca para fora e se masturba com os olhos
fixos na televisão. Trago uma toalha de rosto para que ele possa se
limpar. Manchou as calças e a camisa. Eu limpo o sofá com a mesma toalha
que ele usou. Terminamos de beber o vinho à mesa da cozinha. A mesma cara
de bobo. Eu digo você não tem que dizer nada. Ele obedece. Eu digo essa
uva veio da França, acho que de Médoc, na região de Bordeaux. As videiras
foram trucidadas por uma praga e eles acharam melhor substituir por outras
castas de uvas mais resistentes. Não sei quando foi isso. Hoje em dia, a
Carménère só existe no Chile. Eu acho. Não tenho certeza. Ele não parece
estar me ouvindo. Ficamos calados por um tempo. Talvez não goste de vinho.
Talvez prefira cerveja.
Tenha paciência comigo, ele
disse, pouco antes de adormecer no sofá, embriagado demais para o
amor. E ela, que o amava mas não tinha o menor saco pra conversa de
bêbado, tirou a roupa e estirou-se nua no ladrilho da varanda. Chovia
fino. Uma nuvem escondera a lua. Deixou que a mão descesse até a vulva,
abrindo os lábios e tocando o grelo leve e ritmadamente. Masturbou-se
longamente, mudando o ritmo, prolongando o prazer, adiando o gozo. E
adormeceu sem perceber os dois adolescentes quase imberbes, que na
janela do vizinho, a observavam masturbando-se e gozando,
repetidamente, com furor.
Daí que resolveu nascer de novo: novo nome, novos peitos, nova cor de cabelo, loiro total.
As cantadas pipocavam aeroporto afora, estava orgulhosíssima do silicone recém-implantado.
— Minha senhora, lamento a inconveniência, mas serei obrigado a pedir que me acompanhe.
— Por que, meu bem? — perguntou, irritada.
— É que seu documento de identidade...
— O que tem minha identidade? — engrossou a voz.
— Aqui diz...
— E daí, fofo? Pequeno acidente de registro.
A essa altura já havia se formado uma pequena roda em torno da moça.
— Ih! Repararam no nome da perua? — disseram.
— Algum problema, ô palhaço?
O pau quebrou.
No dia seguinte, em Buenos Aires, uma loira exuberante e de olho roxo chorava desconsolada com a cabeça encostada nos ombros de um novo amigo:
— Ah, mi cariño, mulher no Brasil não é respeitada.
— Pobrecita...
O belo rapaz aproveitou a deixa e escorregou a mão coxa adentro da moça desconsolada. O pau quebrou.
um gato pra apollinaire
caminha por entre os livros,
agarrada aos gatos, a mulher cheia de
razão. quando acorda não me faz
café: esgueira até o banheiro seus
dedos de arranhar azulejos; se ama, se beija, se cospe,
se come. antes e depois de
mim — não está disposta a nos
desperdiçar. em lugar de
cantata saí daquele poema há pouco.
venho pra fazermos amor. eu pensava no banheiro, que uso vestido de cores
quentes e largo até os joelhos, desses fáceis de levantar. eu tirava a
calcinha e me colocava no lavatório, mexia, mexia, mexia, sentindo a
rigidez macia da louça a me friccionar como fosse seus dedos, sua boca ou
mesmo a louça, mas você à minha frente me olhando e devorando desse jeito
de me olhar. mas não. o sujeito da bodega
aparece pra entregar a água e depois fumo um baseado, pra te esfregar
melhor, te comer melhor e amar. aqui na palavra. a palavra nosso lugar.
esse ler que é nos olhar, materializar desse modo barroco. de eu te
escrever, mas te falar, de te falar, mas te olhar, de te olhar, mas
venerar. essa coisa é melosa porque
eu tô melada. de ontem à noite, quando sentada no banco, lá na sacada, o
vento forte a bater em meu rosto como suas mãos, e meus quadris dançando a
nossa modinha pros lados, subindo e descendo no meu vagar de fada, essa
fada essa fada... eu gostava de poder viver
todo meu dionismo. não, não promessas inúteis, mas que fosse como flor. eu
tomo um vinho horroroso com nome de santo e ouço mentalmente as
estrelinhas do mar, as canções de amor desesperado e sinto uma leve dor na
testa. se fossem chifres, que me importava? na minha história são símbolos
de fertilidade e abundância. e eu quero mais é me abundar em você. me dá
um filho? pergunta retórica. assisti de novo às
bicicletas de belleville e fiquei a pensar que queria ter uma bicicleta
mágica que me levasse até aí onde nem sei que é. essas coisas piegas que
penso quando fico tão melancólica que me encho de cio. aí meto um vestido
bem curto e decotado e colado como você devia estar, que é pra ficar
corada ao sentir os olhos que pousam sobre minha carne como se fosse a
sua. imagina, que dançante, eu assim e ninguém nem
toca. é, eu oscilei de novo, foi
por volta da zero hora, quando aquela menina que há em mim perguntava por
que ando tão esquiva e quieta e sonhando ainda mais as nuvens, por que não
pode ser possível tal redundância. mas é, né. eu me venho com esses
trechos inteiros e decorados de poemas e mínimas frases que nada me
respondem e descubro que estou louca, doida, desvairada, ensandecida, essa
redundância que você poderia chamar "maluquinha". aquele senhor que podia ser
uma senhora casada beirando os setenta. aí eu entendo porque não pego nada
e essas minhas recusas. e entendo também seu nome musical que me provoca
frêmitos quando nos abraçamos bem forte estas
palavras. então mais uma vez eu vou
àquela praia de te ver em cores de outono. e chove. então eu vou bem longe
a sentir as ondas cada vez mais violentas, me distanciando da praia. por
instantes creio na minha própria metafísica, a do afogamento, que talvez
eu te encontrasse lá no fundo a me chamar os olhos. mas eu nado muitíssimo bem.
e fico lá umas duas horas em alto mar, te sentindo ondas, te sentindo
espumas de me fazer nascer. te sentindo chuva de me cortar a pele e me
fazer mulher. volto à praia e me deito na
areia, fico ali jogada, te sentindo sol de me aquecer. e penso que se
fossem os teus olhos a me ver com esse biquíni vermelho tão pequeno, nessa
praia, você nunca mais me deixasse... mas uns caras se sentam ao meu lado,
então eu saio, bebo duas cervejas e volto pra casa pra te
sonhar. (os
dedos-lábios.)
(De Memórias de Patty
Flag)
Gustaff já usava farda do
exército alemão, fardinha de soldado raso, sem galões, mas na bobeira
plena dos 15 anos, achava aquilo lindo. Conhecemo-nos na rua, eu com
a estrela amarela na manga, ele organizando tumulto. Logo estávamos nos
vendo cegos aos becos, aos beijos. Foi minha primeira proposta
de casamento. Nunca falamos com meu pai. Primeiro amor, todo real é
ilusão. 44 anos depois, terceiro
casamento, novos passos no ar viciado do enlevo. Dessa vez, a última, fui
eu a propor. E por me entregar assim, como quem se agarra à corrente da
âncora, eu que não enlouqueci — violentada, desmembrada, descarada —
acabei no batel das tolas comuns, aos 70, por viuvez, internada em clínica
mental. Para o confinamento só me
arrastaram desta vez. Até então vivi solta. Será que a loucura começou
pequena e cresceu comigo, ou será que eu já era louca completa quando
nasci? E vivi, fui vivendo, comendo e convivendo com minha
demência? Lembranças soporíferas,
drogas pesadas, pesadelos vaporosos. Três meses, alguns choques,
muitos golpes de cinta e um golpe de sorte: a clínica fechada por maus
tratos aos idosos. Obrigada a renascer. Parto doloroso, doses de
carolice na Igreja Universal, de uísque paraguaio nos bares de Copacabana,
porque a Fênix renasce das cinzas, mas não sem vento ou diabo que a carregue. De louca a escritora, de
puta de meu corpo a puta de minha vida, de meus sonhos, de minhas
memórias. Hoje, quando quero prazer,
descubro-o sozinha. Ao papel acrescento açúcar açúcar açúcar mexendo leve
leve levantar fervura, e vendo as fantasias, ilusões, delusions,
dissoluções, loucuras para minha editora. As leitoras, sabrinas e
biancas, todas loucas, sozinhas e cândidas, adoram — e descobrem o prazer
na ponta de meus dedos.
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