edição 40 | maio de
2010
2 poemas
o
bar aqui no
fim do dia rumino
a alma e
espeto a dor com
o palito de azeitona a
parede e a flor o
paredão de pedra divide
são paulo e eu as
nuvens passam beirando as balas e
as meninas dos sinais as
barbas do edifício estão de molho neste
frio mariano são
paulo é uma cidade do alto mas
aqui também tem girassóis mesmo
que o frio arda mesmo
que a noite adentre a boca mesmo
que a boca adentre a terra são
paulo é uma cidade do alto mas
aqui também tem girassóis mesmo que girem pra brindar a morte
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perdi a virgindade com um
dedo. que eu me lembre não conheci ninguém nessa mesma situação. e olha
que fui empresária do sexo durante vinte anos, acho que vi de tudo em cima
e fora de uma cama ––– mas foi impossível resistir
ao padre giancarlo, aquela cara de franco nero e mãos belíssimas: mãos de
padre pecador. quando chegou no colégio das freiras todas as meninas
ficaram alvoroçadas e molhadinhas, mas eu, eu a mais bela de todas
disfarcei e ardi sozinha ––– quantos olhares, quantos
suspiros naquele mês de junho, eu virgem de quinze anos louca pra dar e
giancarlo ali, justo ali fazendo pouso pra conhecer os sertões
brasileiros. de passagem para uma missão no alto são francisco. a filha do
prefeito fez várias cartas e disse que ia fugir com ele, uma tal que não
lembro nome ficou pálida e triste acho que tanto tocar siririca
––– mas ele era um homem sério.
e eu sabia disso. parece que mulher fica ainda mais assanhada pra seduzir
quando o homem não dá bola ––– uma tarde quando todas as
internas estavam recolhidas e a externas em suas casas lá fui eu devolver
ao padre italiano um breviário de verbos em latim ––– as mãos do padre giancarlo
eram uma obra de arte em carne e sangue que até hoje não consigo esquecer:
unhas perfeitas, dedos longos e duas suaves veias em formato de ípsilon
––– ai ai ai ––– a chuvinha fina, o jardim
do pátio do claustro, touceiras de jasmins e dálias coloridas ––– então ––– então o beijo ali no escuro
do corredor ––– sinceramente que
desperdício aquele homem ser padre, se giancarlo me pegasse e fugisse
comigo eu acho que não tinha virado puta ––– eu já toda entregue, cheiro
de homem asseado, saia levantada ––– ai ––– toda trêmula fui mulher
entre os dedos dele e depois o meu galã de batina completamente
horrorizado pelo excesso. será que ele era virgem? que coisa ––– fugiu ––– evitou-me como pôde e uma
semana depois meu primeiro homem sumiu pra sempre. eu tinha vontade de
gritar praquelas abestalhadas do colégio: chupei a língua do padre
giancarlo! ele enfiou o dedão todinho no meu priquito! e gozei suas
burguesinhas de merda e gozei ––– numa das viagens de compras
por nova york eu e rubenita entramos na macy's. a vendedora com cara de
ganso fazendo demonstração do perfume diorella. quando cheirei no pulso fiquei
tonta e quase desmaiei. era o cheiro daquela tarde de chuva com giancarlo
me dedilhando no corredor ––– can i help you? what are you feeling mam?
––– como explicar praquela
vendedora que o perfume lembrava o dia que eu perdi o meu cabaço?
––– sou uma pessoa olfativa.
canja na panela lembra minha infância, insenso de sândalo lembra marina e
o tal diorella nunca tive coragem de comprar. seria como viver com um
fantasma fungando no meu pescoço pelo resto da vida –––
poemas para
ana Tem
uma folha branca Que
não espera por mim Que
não convida pra nada Tem
uma cama limpa Que
não me espera Nem
me chama Tem
uma vida branca Que
tão limpa não é minha Minha
folha Minha
cama Minha
vida Todas
estão sujas Com
o sujo de minhas mãos Que
nada sabem de espera mesa Pela
dor dos cotovelos, estava ali há muito tempo. Pelo
dilúvio na boca, acabara de chegar. * Não
quero jardim Quero
um jardineiro Que traga flores pra mim
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