edição 28
| julho de
2008
motte, morte Não guardo mais os vestidos, os corpetes, os maiôs de paetês, as lembranças. Para abrir espaço no armário, para abrir espaço em minha cabeça, joguei tudo fora. As traças comiam o cetim, fazendo rendas em meu cérebro. A saudade age feito inseto, incomoda, coça, rói, suga, tece teias. (Aracnídeos são insetos? — Pergunto porque alguns homens são). Guardo, sim, fotografias. Fotografias são reais, não um amontoado empoeirado de lembranças. São reais, não são saudade. Nelas sou loira, nelas sou jovem, nelas minhas pernas são formidáveis! Quando folheio os velhos álbuns, não quero chorar. Eu rio! Eu rodopio! Eu não sonho, eu durmo em paz. (Você talvez não entenda a importância de uma boa noite de sono para uma senhora octogenária). Joguei tudo fora! Tudo! Essa pluma ficou de teimosa. E a traça da saudade grudada nela. Vou jogar este texto também, não serve para as Memórias. Não há nele nenhuma aventura do passado, daquelas que você me pediu para ouvir. Nele, apenas hoje. Sim, porque lembranças são hoje. Fantasias que não vivemos, que nunca existiram realmente. Por isso se diz "Não se faz mais isso ou aquilo como antigamente!". Lembranças são mentiras boas que inventamos para suportar a mediocridade com que atravessamos a vida.
Vou amassar e atirar esta folha de papel pela janela, mas é a pluma que escapa de minhas mãos. Rodopia tanto na brisa do Rio que não consigo esperar até ela tocar o chão. Ansiedade. Minhas pernas tremem. Afundo no sofá e deixo a tarde dormir ao meu lado. No lusco-fusco, Oromar se move. Suave e sem culpa, sorri entre meus dedos. Gozo.
Em alemão "traça" é motte, assim, tão parecido com morte. "Ter saudade de", sehnen. Assim, tão parecido com senil. Eu já tentei ser poeta, desisto, serei forte até o fim.
meAll Advertência : Essste texxxto não é para você, é para o monssstro em ssseu armário.
Nunca gostei de novelossss, por isssso sssoube dessssde ssssempre que de tudo que pudesssse ssser, nunca ssseria uma gata. Messsmo dormindo a maior parte do tempo, fugindo quando me chamavam, aparecendo e quebrando tudo em horasss absssolutamente constrangedorasss em que ssseria melhor eu permanecccer quieta. Não obedeccci nenhum comando de "sseat!!!" ou "finja de morta!!!" e meusss pêlosss arrepiam sssó de imaginar-me fazendo isssso. Nunca gostei de novelosss até hoje àsss 3:17 ammmmm quando acordei dentro de um. Aconchegante e absssolutamente desssnecessssário, tão vazio de sssentido e argumentosss. Impressssionou-me como tive consssciência de cada parte , como se estivessse em toda sua extensssão e ao mesmo tempo liberta de sssuasss prrrrróprias restriçççõesss. Pude passssear por ssseusss pensssamentosss e lembrançççass, apesar de não me afetarem como o afetavam. Sssuas açççõesss eram limitadas por pudor ou culpa. Quase pedia dessculpass por ressspirar. Não sssei como, algo acontecccera e o novelo essstava agora sssob meu comando, deu-ssse para mim e até parecccia ansssiar para ver-me no comando. Novelo disssforme, pouco ágil, tentei pular em cccima do armário e de lá para fora da janela. Faltou-me força, não para ir, para levá-lo comigo e eu queria levá-lo, fiquei. Durante um tempo accchei que a vida fosssse uma metáfora, engano, o que ccchamamos metáforasss sssão, na verdade, a própria vida. Dessscobri issssto, quando, às 3:17 dessspertei-me e antesss de abrir os olhosss me sssenti dentro do novelo e vi-me, se não gata, felina. Ao abri-los, entretanto, vi que o novelo era ela, a pessoa que me apriszzzionara por toda minha exissstêncccia e não me deixxxava sssaber quem eu era. Havia tirado todosss osss essspelhosss lá de dentro e eu sssequer sssabia minha própria aparêncccia. A absssoluta auszzêncccia de ssseu temor nesssta madrugada quaszze me sssurpreendeu. Por não ssser rebelde, nem deszzistente, nem relutante, nem eufórica, nem amedrontada e muito menosss heróica, apenasss era. Sssempre achei que um dia eu conssseguiria arrombar aquele armário e tomar o comando, era possssível também que ela própria me libertasssse num gesssto exxxtremo de rebeldia, entrega, ouszzadia, demência, heroísssmo ou covardia, não assssim sssem exxxtremos. Coabitamos agora esssse novelo, que tem muitasss facesss e começçço a redecorar algunsss de ssseusss assspectos e meu guarda-roupa também. A liberdade é calma, sssempre imaginei que ela me sssurpreenderia sssendo algo que eu jamaisss sssonhei, preparei-me para todas asss possibilidadesss de sssurpreszza e o sssimples da liberdade me sssurpreendeu sssem preparo. sssshhh muito, muito bom, buommmm, buooommmm.
7 poemas o caos
o caos enquanto coisa camufla a coisa em si
ou é um cacho de uva nos cabelos da aurora
dedilhada no silêncio de um luar que arfa
por uma quietude sim- ple mind.
O cobrador
Quem sabe alguém comprou a paz Que Deus queria me dar quando morri.
Quem sabe vá morrer de vez e dessa vez Será a última vez. Eu prometo que o silêncio
Comerá meus testículos enquanto o céu for O caos de brigadeiro néon
os fractais
fractais são braços ruídos abertos feito
bocas de sino fazendo blemblem
na rosa eunuca e carnívora que brota
do céu de uma espinha na pálpebra do cu
edipando
quando me come come-me ama-me doma-me a crina
rebrilha o olhar olha-me e beija a flor do pomo
poma-me ponha no caos do umbigo placenta-me a ti
azulzinha
a coisa caos coisou coisa em mim
pousou luz no reflexo de ti espelhei-te
o caos de mim florou-se azulzinha
flor
rastro de tua voz foice de ponta dedo
me ponha em silêncio ou contornando-te
toda
dormir
dormir doze anos e inda acordar mais velho q o uísque
ciscar o mar de minha fome ovinhos de codorna
contorna a aurora q brinda e deflora toda aura
de estrelas q as pontas nuas dos mamilos teus me olham
ainda
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