edição 4
| março de 2006
azáfama assim
sim ai mais ah
ah ah a-hã
o apartamento Coloquei o anúncio no jornal
e fiquei esperando compradores. O espaço era bom, com ótima localização,
garagem e churrasqueira. Não faltariam interessados. O corretor me garantiu
que estaria vendido antes de eu me tornar a Sra. Otávio Menabarreto.
Eu pouco me importava, queria o dinheiro, mas não tinha pressa. Com
o casamento, meu futuro estaria garantido. Cíntia adorou a decoração.
Simpatizei de cara com ela. Estava indo morar com o namorado e queria
um lugar especial para começar a vida a dois. Garanti a ela que este
apartamento tinha me trazido sorte. De solteira convicta passei à noiva
com casamento marcado para dali a três meses. Ela tinha um apartamento menor
para fazer negócio. Como eu não queria o imóvel, combinamos que ela
o venderia primeiro. Estava tudo acertado. Cíntia voltou mais tarde com
o namorado. Como era mesmo o nome dele? - Marcelo! Essa é a Lú. Marcelo. Eu jamais lembraria.
Para mim, ele tinha sido apenas uma noite de sexo. Não que tenha sido
ruim, pelo contrário, tinha sido ótimo. Eu que tenho péssima memória
para nomes. - Amor. Não fica aí parado.
Vem conhecer o quarto. Foi ai que nossos olhos se
encontraram. Ele já conhecia o quarto, a cama, o sofá da sala, a mesa
da cozinha. Marcelo conhecia bem todos os cantos da casa. Que situação! - A Lú vai casar, por isso
está vendendo o ap. Quem será o corno? pensou Marcelo. Não dá para negar que ela é muito
gostosa, mas casar? Tá louco. Ainda bem que eu encontrei a Cíntia. Ela
só transou comigo e com o primeiro namorado. Como ele morreu em um acidente
de carro, não tem um homem no mundo, vivo, que tenha comido a minha
mulher. Eu tenho mesmo muita sorte! - Parabéns. Marcelo disse isso olhando
para baixo. - Eles namoram há pouco mais
de um ano e já vão casar. Tem homem que é decidido. Agora outros Lú,
ficam enrolando um tempão. Oito anos, no meu caso.
Oito anos? Nossa, imagina
quantas mulheres ele não comeu nesse período, eu inclusive. Coitada
da Cintia! - Acho que está tocando o
interfone, disse Marcelo, com um certo alívio. - Deve ser o Otávio, meu noivo,
já volto. Então, vou conhecer o Otário,
pensou Marcelo. - Otávio este é o Marcelo.
Nunca pensei em ter que apresentar
esses dois. - Cíntia, vem aqui conhecer
o meu noivo. Cíntia entra na sala, carregando
o meu vaso preferido. - Adorei esse vaso. Ao dar de cara com Otávio,
Cíntia deixa o vaso cair no chão. Enquanto eu limpo os cacos, com a
ajuda de Marcelo, escuto a conversa dos dois. - Oi, Cíntia. - Oi, Otávio. - Tudo bem com você? - Tudo. - Tá querendo se mudar? - Pois é. Por enquanto, estou
só olhando... - Vocë continua morando ali na Azenha? No mesmo apartamento?
quinta-feira à tarde, depois do cinema Ele
tombou para o lado, arfando e deixando que ela respirasse. Os dois olhavam
o teto de olhos bem abertos, por que diabos sempre se fica olhando o
teto de olhos bem abertos quando se acaba de trepar? Não lhe passava
nada pela cabeça, nem a ela, apenas olhava o teto falso do motel, enorme
mandala colorida em plástico de trinta cores diferentes, simulando uma
flor horrível, uma clarabóia falsa, não passava de uma espécie de lustre
muito feio. Não era o céu que estava por trás, eram lâmpadas apagadas.
A pouca luz vinha de trás do grande vidro fosco que fazia a vez de parede
do banheiro, onde alguém havia esculpido com ácido uma jovem senhora
de formas rotundas a despejar no chão a água de uma ânfora, para que
alguns, talvez dois ou três cachorros bebessem. O resto do quarto eram
veludos cor de vinho e outras escuridões, e uma canção roufenha com
trinta anos de idade, que embalava amantes há trinta anos, saía de algum
canto escondido por debaixo uma camada de carpete grosso. Ele
se virou sobre o ombro, voltando-se para ela, olhou-a nos olhos, a expressão
nenhuma do rosto, o nariz apontando para o teto, o pescoço fino, os
seios grandes, a barriga - a mão esquerda cutucava alguma coisa perto
do umbigo -, os pêlos recém-aparados, as pernas grossas meio abertas,
um pé coberto por uma dobra do lençol. Ele passou a mão sobre um dos
seios, brincou com o bico, apertou o volume com cuidado e carinho, olhou-a
de novo nos olhos, sorriu e, por falta de mais o que dizer, perguntou
se ela havia gostado. Ela
não respondeu nada, continuou olhando o teto, e daquele silêncio não
se podia tirar se ela tinha gostado, se não tinha, se estava pensado
como responder, tendo ou não gostado, e continuou muda de olhos abertos
mortos. Ele sorriu e insistiu no erro, perguntou de novo, e então, gostou?
Ela tomou um fôlego como se fosse dizer uma frase muito longa, expirou
todo o ar, e continuou calada. Seus olhos agora diziam que ela poderia
falar a qualquer instante, ou que não falaria nunca mais, ou que diria
que o amava, ou que perguntaria as horas, e o que se ouvia era o rugido
da cidade lá fora, abafado pelas cortinas grossas escuras fechadas. Ela se virou de costas para ele e, sem tomar fôlego, disse você seguiu o manual. O quê, ele perguntou. Seguiu o manual, ela continuou. Me beijou, me chupou os peitos, a buceta, e me comeu. Seguiu o manual, repetiu.
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o pulo do gato Estava em casa, exausta
depois de um dia dedicado a arrumar, produzir prateleiras, fazer um frete,
mudar coisas de lugar - saí a exatamente um mês da casa da minha mãe
-, e hoje, a casa ganhou aspecto de casa. Enfim, estava em casa, exausta e
tentando me concentrar, tinha trabalho a fazer e francês para estudar.
Menezes, o gato, estava posicionado logo abaixo da minha cadeira, onde
mora um bode morto, quer dizer, seu couro, muito apreciado pelo gato.
Distraída, eu o chutei inúmeras vezes, arrancando-o de seu sono pacífico.
Cansado dos maus tratos,
Menezes resolveu - apesar do frio e da chuva que se anunciavam
e foram confirmados hoje - sair do bodinho e ir para a janela.
Foi quando viu uma gata selvagem pelo jardim. Rapaz, o bicho enlouqueceu!
Gemia, as pupilas dilataram, andava obssessivamente de um lado para
o outro, o pêlo eriçado, pulava até o parapeito do prédio e voltava
para casa. Resolvi ver quem era tal gatinha. Achei que a conhecia
mas pensei: se está na rua, deve ter fugido. Então, desci, disposta
a averiguar o terreno para que Menezes viesse também. Mas o desespero
dele era tamanho, que não houve tempo, só um barulho e o rastro branco.
Sim, o pacato Menezes se jogou da janela do segundo andar. Heróico,
o gato pulou em busca de seu amor. Burro, caiu do lado errado, dentro
da grade do apartamento térreo de fundos.
A vizinha, que tem duas gatas, eventuais paqueras de Menezes, ficou tensa com o pulo do gato. Eu gostei da passionalidade. Eu não gostei de vê-lo cair.
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