edição 46 | março de
2014 4 poemas ellena beatrice lençóis de
linho
Fiz minhas
provas,
passei no
teste.
Eu me cortei,
me encobri.
Agora me
deixem!
Me
deixem!
Agora que me
descubro.
Sem comoção.
Não nos desesperemos:
o mundo
desaba doce e tranquilo
como no final
de um filme americano.
As Montanhas
caem e os Reis dobram seus pescoços
os Bigodes
olham de soslaio.
Agora que
nada importa além da chuva
nada me toca
além do vento
tenho-me
exposta
tenho-me
entregue
tenho-me em
absoluto
e não me
escondo mais atrás dos seus falsetes
mostro-me do
alto dos meus elefantes.
borrada
Apago? Deixo
passar?
Contenho,
fujo
do medo, do
sujo
Falo baixo,
desvio o olhar?
Sim. Baixeza
protuberante do falo
Espermático
impulso
Aperta-me o
pulso
fecho os
olhos e calo-me.
Rasga-me a
saia
Adentra-me a
cintura, tritura-me o seio, molhado.
E me rasga e
me cospe e me joga
[de
lado.
E mira nos
meus olhos para que neles caia.
Geme
estremecido.
Veste a
calça, aperta o cinto
Joga na cama
umas notas de dez, outras de cinco.
E bate a
porta e vai embora
[arrefecido.
Eu não olho.
Não movo.
Eu não sinto,
não choro
Não caio de
joelhos e não imploro
Só deito e
fecho os olhos enquanto não ouço a campainha tocar
de
novo...
dantes
Partes,
flanejando a tua bandeira.
Fico, e só o
que flanejo é o lancinante lenço do adeus
não vês que
sou tão menor?
não vês que
sou tua,
tua
pequena?
Não tenho
bandeira. Não sou capitã nem de mim.
Acaso não
vês?
Não vês que
choro? ou já a distância tragou os meus traços, apartou-os de
ti?
Morrerás?
Mandarás uma carta, ao menos?
Ou matar-me-á
a dor antes de tudo?
Não vês que
choro? Não vês que tantas cores tem a bandeira que levas no
mastro
e que branco
é o meu lenço?
Cruzará
alguém o teu caminho? Em quantos braços hei de
dormir?
Tens o mar.
Tens o mundo!
E o que tenho
eu?
O que tenho
eu, oh Deus?
antes do
embarque
Atordoada
sentença anunciada.
Silenciosa
ausência do voltar
Imperativo de
resignação.
como evocar?
sentir o desapego úmido no meu seio
o desespero
mútuo, porém ambíguo,
estar em
plenitude, me conformando
ao
desapertado fugir
etéreo
da minha
têmpora miúda, podre, fedendo a cerveja barata
suja de
cigarro
e atulhada de
catástrofes autoinduzidas.
mantenho.
não tenho que
ficar pensando nisso o tempo inteiro
não tenho que
ficar trazendo o abandono pro meio do palco
por que não
consigo apagar os holofotes?
por que não
consigo fechar as cortinas?
por que a tua
presença continua tão forte em mim
mesmo quando
já esqueci, mesmo quando estou feliz?
porque todo
mundo que me vira as costas
é pra mim uma
manifestação de você
é uma
encarnação poética do teu riso torto ao virar a cara
é um poema
que escrevo sentada sozinha num
boteco-de-gente-sozinha
miúda,
podre
fedendo a
cerveja barata.
![]() junio 13, 1968 gertrudis de ville Querido
Josy
Después de
quase um mês sem saber de tí, recibimos hoje sua kilométrica carta que
começou em uma data y terminou mucho después. Isso nos diz como tem estado
ocupado ultimamente. Supomos que cuando receber esta, já estará de férias
de meio de ano, de modo que supomos que então poderá nos escrever más a
menudo. Oxalá tenha aprovado todas as suas matérias, para que possa ter um
segundo semestre relativamente mais tranquilo, pois por suas cartas
sabemos que vai ter apenas clínica y otra matéria.
Por acá as
coisas meio que voltaram um pouco ao normal. Já faz duas semanas começaram
os labores escolares. Seus hermanos parece que estão muy estudiosos. Yoyi
com Matemática Moderna, Koky preocupadíssimo com Algebra y Cecy aprendendo
a ler y estudando Inglés com Sister Jane.
Sister
Martina esteve aqui. Passou seis semanas de férias. Espero poder
visitá-la. Está igual como sempre. Perguntou mucho por tí y está feliz de
que esteja "triunfando".
Kiky parte em
Setembro para los EUA. Para Stephens College. É uma faculdade de
muchachas, pero que precisam de alguns varões para suas aulas de Arte
Teatral. Tem uma bolsa. Lhe pagam "um trocado" e ele entonces vai trabajar
12 horas mensais no teatro para cobrir os gastos de casa e na lanchonete
da escola para cobrir sua comida. Acho que teremos que mandar algum todo
mês para seus gastos.
Agora mesmo
está ensaiando para "West Side Story", que vai estrear no final de julho.
Está bastante desanimado pois ele esperava pegar o papel de Bernardo, mas
ficou com o do sem graça do Pepe, um da turma de los Sharks. Mesmo assim,
parece que tem mucha coreografia e está encantado aprendendo as
danças.
Menciona na
sua carta "The Zoo Story". Kiky ganhou pela leitura dessa obra um prêmio
de "Outstanding" no último Speech Festival mês
passado.
Bueno, ya se
me hace tarde. Escreve logo. Todos por aqui estão com muita
saudade.
Te
sonrien,
Papá
y Mamá
![]() 4 poemas heloisa defarge atávico
eu me corto
na lâmina
da tua
pele
e injeto em
teus poros
o meu
caos
lembrança
1
deixaste um
fio de cabelo
entre meus
dentes
seu
pentelho
lembrança
2
como era
imponente
aquele
membro
da
academia
tela
ardia,
ardia
na
cor
no
quadro
no
cardo
ardia,
ardia
![]() una
margarita para frida
isadora galvão Cores, explosões, paixão, verde, vermelho, amarelo, Diego, macacos, camas voadoras... um amálgama de sensações enquanto eu visitava o Museu Frida Kahlo. Carlos não quisera ir. Pelo menos não naquela manhã de calor intenso, não sem seus luxos e fru-frus. Eu apanhei meu mapa, usei de meu charme, peguei dois ônibus do Hotel Rayon até a rua Londres 247, Del Carmen, Coyoacán. E lá estava eu, linda e loira (sim, havia pintado o cabelo antes da viagem) no Museu Frida, La Casa Azul, realizando o sonho de uma vida. Uma justa compensação pela viagem tediosa com Carlos. Maldita hora que havia concordado com sua ideia de uma outra lua de mel (como se a primeira — em Cancun — tivesse sido essa maravilha toda!...) Mas, museu Frida Kahlo eu iria visitar, com ou sem marido... e lá fui eu, iluminar meus olhos onde a minha pintora favorita havia morado, amado e vivido. Deslumbrei-me com os objetos e bonecos, bati fotos e fui fotografada outras tantas (gentileza de um casal de austríacos que me clicou umas mil vezes), comprei umas lembranças para mim e para as amigas, até que, extasiada, resolvi sair a esmo pela rua Londres, sem a menor vontade de voltar ao hotel. Dobrei a rua Ignacio Allende, peguei a rua Berlin e deparei-me com um café-bar charmosíssimo, daqueles que a gente só vê em Paris. Entrei, sentei-me em uma mesa perto da janela e pedi um cappuccino. Assim que o garçom o trouxe, me arrependi. Percebi o casal na mesa do canto, cochichando como se conversasse obscenidades; o sujeito sentado ao balcão, com um drink, e veio-me uma vontade de beber algo forte. De um gole só, sorvi meu cappuccino e pedi uma margarita. Quando o garçom, entediado, entregou-me a bebida, percebi que o rapaz do balcão me olhava. Não era bonito, contudo, também não era feio. Parecia aquela espécie de homem esculpida em pedra, de feições brutas, desprovido de beleza ou feiura. Estava encurvado sobre o copo, como se tivesse um peso nas costas. Não obstante esse fato, a postura dele parecia segura, quase nobre. Devo ter sorrido para ele, pois quando percebi ele me sorria à guisa de retribuição. Subiu-me um calor no rosto — e no meio das pernas, devo dizer — que me pegaram de surpresa. O rapaz mal devia ter vinte e cinco anos, apesar das feições de granito e da pele castigada, enquanto eu estava perigosamente próxima dos cinquenta. Mas estava bem conservada, verdade seja dita. Ainda atraía — pelo menos eu acreditava nisso — olhares de guapos rapazes. Como o recepcionista do hotel, por exemplo, que sorria maliciosamente para mim na chegada. Ou o guia do museu Frida Kahlo, com aqueles olhos verdes e atenção desdobrada. Iria mentir para mim mesma, que não me imaginei beijando aquele rapazote no pátio de Frida e Diego Rivera? De repente, senti-me a própria Frida, com ares de cortar meus cabelos e cantar boleros chorosos em bares, assediada por homens e mulheres. Foi quando o rapaz levantou o copo, à guisa de me convidar para um drinque. Eu precisava tomar uma decisão. Terminei de beber a margarita, levantei-me, fui ao balcão, paguei a conta e, sem olhar para o guapo, saí do bar. Tomara minha decisão. Iria comunicar a Carlos que queria o divórcio, o mais rapidamente possível. E retornaria ao México, sozinha. Sob as bênçãos de Frida Kahlo.
![]()
poema
jane sprenger bodnar *
saudades
dos teus
cílios circenses
que dizem
para as palavras
que elas não
dizem nada
com um
coração de pedra
sabão
como o
pulsar
de bolhas de
sabão
![]() jussara salazar esse amor
intolerável
minha deusa
asteca
estridente e
silenciosa delicadeza
vulcão
popocatépetl
a saia de
serpentes
as mãos
feridas sangrentas
o broche
impuro
um abutre
feminino corpo
torturado sob
atavios
as joias
antigas de coatlicue
em meio às
sedas braceletes
círios de uma
procissão
de corpos
partidos oh parsifal
ecoa nas
fitas de tua saia imperfeita
anáguas
sussurrantes
asas de uma
borboleta escura
voejando
ruídos no templo vazio
em meio à
quietude
![]()
|