edição 44 | outubro de
2013 3 poemas nanda prietto compartilhando
a insônia princes@:
abre cam,
põe fotinha,
linda ninfett@:
não posso,
nem adiantaria, vc não iria
me ver, pq estou
passando uma época trancada e
invisível da pele para
dentro da alma, embora nua
dos pés para cima. vingança Hoje, você me
olha como se eu tivesse Águas-vivas
nos olhos. Fiquei uma
plataforma petrolífera Derretida,
eis as marcas: Coração
arrancado; Entre os
seios, Sutura de
açougueiro. Fiquei só de
perfume Posando nua
para sua música. Gastei minha
libido Com sua
pelúcia imperita. Alma de
ratazana Convertida em
rosa e princesa. Nossos seios
amamentando-se Uns nos
outros. Beijos que
poderiam Filtrar todos
os cânceres Partiram com
silêncio Os meus
lábios para sempre? Lambo o seu
cuspe que agora rega As roseiras
que entrelaçamos Tentando
extrair a essência. O céu estava
limpo. Um avião
lindo cruzava o azul Quando você
me deu um basta. A minha dor
era muita E precisava
ser compartilhada: Apontei o
dedo e desejei Que aquele
avião caísse Sobre algum
orfanato. flor
extemporânea I
Adolescida em
maio, Eu queria ser
rosa, Uma princesa
rosa. Mas Rimbaud
me privou, Me
salvou De ser uma
ninfeta em vão. II
Julho foi
morto Por um
agosto A me
seduzir Com buquês de
ipês Só para curar
meu cio Com os seus
cachorros loucos Que estavam à
solta. III
Outubro ainda
chove Os restos de
setembro, agosto... E agora que o
espelho me vê Um pouco
Rimbaud, Um pouco
Adélia, Os ipês de
outrora (amarelos,
brancos, roxos), Ainda há
pouco mortos, Florescem
rosa, Me deixam um
pouco Mais
princesa, Embora ainda muito peçonhenta.
![]() ©mercedes
lorenzo
1 conto, 1 poema nina rizzi em busca da
sierra maestra, 1 O céu era de
um cinza-poluído odioso, mas sorria, simplesmente sorria um sorriso
amarelo. Meus olhos ardiam com a subida do sol tão vermelho e eu mal
conseguia me sustentar de pé. Sentei no que parecia ser uma caixa de
gordura, atrás da rodoviária. Luísa estava cansada e muito ansiosa. Tinha
espasmos e tagarelava sem parar. Suas frases desconexas misturavam-se ao
barulho dos ônibus que chegavam e partiam, dos passantes que falavam e ao
burburinho da rua. A última expressão que ofereci à cidade maravilhosa foi
de uma mancheia. Uma mancheia de desprezo. Chegamos com
duas horas de antecedência. Duas horas que se arrastavam. Eu sentia uma
angústia nauseante. Não conseguia falar sequer sobre o tempo, não queria
falar, sentia flatulências ao mover o maxilar ou começar qualquer
movimento. Mais uma vez o monstro da criação me vigiava. Não conseguia
escrever uma vírgula. Não tentava. Tinha medo. Um não sei quê de tédio,
descontentamento que não permitia qualquer risco. Os minutos se passavam e
eu sentia uma solidão de fora, um desespero absurdo. Luísa queria parecer
distante e fria, que se tentasse qualquer aproximação, eu a desprezava.
Nunca soube ser diferente. Não que achasse que as mulheres fossem reféns
da futilidade, vulgaridade ou do puro anonimato, eu simplesmente não sabia
ser diferente, estava sempre a cuspir. A rodoviária
estava aberta para mim, entrei. Todas as pessoas me odiavam e me enxotavam
dali. Caminhei até um bar e pedi um café. Era doce, ralo e frio. Talvez
devesse ter bebido o meu mijo. Meu estômago doía e eu sentia contrações
terríveis por todo o corpo. Precisava correr, me esconder, voltar ao útero
de minha mãe. Eu precisava enfiar a cabeça dentro da privada e vomitar.
Vomitar toda a repulsa e o calor e a rodoviária e qualquer ideia que não
me viesse. Finalmente
chega o meu ônibus. Frio, cinza, garoa, feijão rosado e pimenta. As férias
acabaram e eu me sentia ainda mais cansado, mas ainda assim, satisfeito
por deixar Copacabana. O ônibus estava lotado. Só poderia embarcar em dois
dias. Senti que o sol ficava cada vez maior e mais vermelho. Eu estava em
decomposição. Pensei em matar Luísa. Ela deveria ser estrangulada, ali, no
guichê da rodoviária e depois eu a jogaria na fétida Baía de Guanabara.
Lancei um olhar fulminante para ela. Já estava completamente
desequilibrado: faltava álcool. Conseguiria
chegar à meia-noite em casa, fazendo baldeação em ônibus de péssimo
estado, assim cheguei em São Paulo às 16 h e meu outro ônibus sairia às
19h30. Caminhei desordenadamente pela grande rodoviária. Eu era quase um
retirante nordestino com um mapa na mão fazendo uni duni tê para ver onde
iria desandar a aridez e oxalá padim ciço uma boa sorte nessa vidinha
entrecambada. Comprei uma vodca e me debrucei no parapeito, olhando a
pequena cidade que sumia lá embaixo. As pessoas eram diferentes, eram
indiferentes. Todos são invisíveis. Avistei uma livraria, mostrei para
Luísa que começou a rir como louca. Olhei-a com desdém e ela me abraçou.
Beijei-a e passei a mão em sua bunda, Luísa tem uma bela bunda, comecei a
ficar excitado. Peguei-a pelo braço e caminhamos até a
livraria. Procurei o
sistema de segurança. Desisti ao avistar dois homens enormes me sondando.
Fui até a prateleira de livros de bolso. Detesto livros de bolso, mas são
bem mais baratos. Meus olhos saltaram quando li Sonhos de Bunker Hill, de Fante.
Corri até a balconista e perguntei se tinha Pergunte ao pó, do mesmo autor.
Ela se desculpou e disse que o livro estava fora de catálogo. Desabei no
chão, com as mãos na face, feito um bebê manhoso. Acabei comprando os Sonhos de Fante. Sendo do mesmo
autor, eu encontraria naquelas páginas o que procurava. E ainda poderia
ler enquanto esperava o outro maldito ônibus. Luísa e eu
sentamos num banco. Eu estava superexcitado, as belas coxas de Luísa
roçando vulgarmente em mim, todos aqueles poucos desconhecidos e um Fante
nas mãos. O meu pau com as veias saltando, pingando e pronto pra uma boa
estocada numa boca faminta. — Te amo —
disse ela umedecendo os lábios. Comecei a ler
o livro. Eu devorava página a página e a cada duas, voltava e relia. Não
queria perder uma vírgula, daquele "que escreve com gotas de sangue".
Tinha certeza que ao terminar o livro, teria a iluminação que tanto
procurava. O ônibus
chegou. Entramos e logo me acomodei e já fui mexendo naquelas luzinhas sem
me importar com as repreensões de Luísa por eu estar sem óculos e as luzes
serem fracas. Ela não entendia que aquele livro iria mudar a minha vida,
que era um prato cheio à minha fome. Ao terminar o
primeiro capítulo, fechei o livro, apaguei as luzes e me deixei desabar na
poltrona. Chorei, chorei como uma criança. Não tinha medo de parecer
ridículo, não via ninguém, via somente os seios fartos de Luísa que me
aninhava. Sentia tesão e raiva. Não sentia nada. Eu chorava, um choro
louco e soluçante. — Mas o que
está acontecendo, homem de deus? — Luísa! —
gritei desesperado — o livro é uma MERDA! história de
pescadora ele pegou o
maior peixão. sem rede. mas, ai, tão
fraquinho, nem deu conta de carregar. nem à toa
dizem que a pescaria é o esporte
mais lésbico. ![]() de saliva e cusparadas patty flag Nunca sonhei
ser imortal. Já teve dias que pedi pra morrer baixinho, sussurrando como
quem cospe. Mas nessas horas, ninguém ouve. E se ouve,
ri. Nunca soube
muito da vida, fui aprendendo. Comendo do prato da vida e levando as
sobras no bolso. Nada dura pra sempre. Tive dias em que pedia mais,
sussurrando como quem beija. Mas nessas horas,
ninguém. 87. Nunca
pensei chegar tão longe. 87 e uma vontade louca de morrer. Talvez, se eu
pudesse andar, alcançasse a janela e pulasse. E me acabasse na calçada,
inútil e gosmenta feito uma cusparada. Meus editores
pedem uma carta de explicação aos meus leitores sobre esses anos sem
escrever, acreditam que um relato do derrame há de comover o mercado em
crise com o advento dos e-books e alavancar as vendas dessa literatura
barata que escrevo. Querem que eu fale da luta para recuperar, lentamente,
primeiro a razão, depois a fala, a seguir, os movimentos. Querem que eu
fale da cadeira de rodas rodando rodando pela sala sem nunca alcançar a
vista para o mar. Eles que
escrevam, eles que inventem, que peçam para outra escritorazinha de merda
que nem eu escrever, profissionalmente, lacrimalmente, acridocemente, sem
cusparadas. Só escrevo
porque é tudo o que me sobrou, porque não posso mais cozinhar, porque não
posso mais caminhar, porque com o dinheiro da editora completo o salário
da enfermeira-cozinheira-faxineira que vem todos os dias, que cozinha meu
coração, que leva a comida pra passear no calçadão, que pinga colírio nas
janelas e faz a fisioterapia nos móveis e no vaso
sanitário. A enfermeira
que xingo só pra ver cuspir em meu prato porque esse é o último gosto de
saliva que vou sentir. A enfermeira que cuspo na cara só pra ela me
esbofetear, porque esses são os últimos tapas que
levarei. Só escrevo
porque não posso mais viver sozinha, pelas próprias pernas, pelas próprias
penas. 87. Nunca
pensei. Pensava que chegaria bem aos 90 e a seguir morreria devagarinho
feito uma avó de sessão da tarde dançando twist. Pensava que velhice fosse
uma canseira que não passa e vai aumentando aumentando até virar
morte. Nunca soube
muito da vida, mas intuía nela alguma divindade, alguma dignidade. Não
sabia que a vida cospe na gente depois de saciada feito um cliente
barato.
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