edição 44 | outubro de 2013
temas:  rede | cuspiu no prato que comeu | outubro rosa

 

10 poemas
valéria tarelho 


spam

 

 

invadem meu e-mail:

promessas de espasmos

orgasmos mil

milagres de são viagra

 

e — pasme —

 

sabem que é pequeno

o pênis

que não tenho

 

 

 

 

em@il

 

 

e-mail

é o meio

fértil

de plantar

|bo|atos

e colher

|in|ventos

 

em campo

de completo

|anoni|mato

 

 

 

 

game over

 

 

ficamos no quase

esse impasse

placar de empate

lance na trave

 

ficamos na base

do quem sabe

sem chute no balde

sem marcar um point

 

nosso [online] love

deu tilti antes

da próxima fase

 

 

 

 

lONeLINEss

 

 

a solidão

monologa

tête-à-tête

com a só-

lida

[pa]rede

 

 

 

 

babel

 

 

o the end foi reticente

saiu à francesa

falando grego

típico discurso

para inglês ver

 

foi russo

e sem intérprete

 

pé na bunda gringo

nem com tecla sap

google translate

psicanálise

 

traduzo

 

 

 

 

mito, lógico

 

 

prometeu

céus e mundos

deu-me a lua

sem disfarces

jurou alianças

em anéis de saturno

 

dei-lhe tudo

solo teto

frente fundos

vista paradisíaca

 

um dia foi ali

no rabo de um cometa

buscar outro souvenir

 

fiquei a ver ovnis

 

 

 

 

neologismo

 

 

misturo línguas

confundo foda com romance

crio uma história

com fada família pets

 

[e o patético final clichê:

foram felizes para sempre

sorrindo no portrait]

 

se ele não liga não procura

some da galáxia evapora

transformo o fora em fúria

 

o poema empunha

— feito foice —

a bandeira das palavras

"que traduzem a ternura mais funda"

 

obtenho, por exemplo

'metamorfoda-se'

 

indicativo

meu amor

 

metalinguístico

 

 

 

 

origami

 

 

numa tarde qualquer

o amei

fui o papel espelho

que ele vincou

 

[virou para cá

volveu para lá

usou de mágicos dedos]

 

enquanto fui

só amor para dar

[e medo]

ele apenas brincou

de me dobrar

 

 

 

 

 

toque

 

 

que outubro

                     [seja rosa

                            ou surja nude]

rubre a rima

 

 

 

 

tratamento

 

 

se for para perder

que seja o cabelo

 

tenha peito

foco

 

vá à luta

e força na peruca

 

©mercedes lorenzo

 

 

iara
wislawa symbora 


Iara, a sereia brasileira,

em 2013, já está velha

coitada

virou motivo de chacota

no rio e no mar

outrora levava homens

até o fundo

do seu fundo

hoje nem o Raimundo

dá bola

aos seus (en)cantos

 

Iara, quando nova

poderosa, sereia mítica

dos pescadores varonis

possuía-os

como toda fêmea

que faz história

hoje, pobre Iara

está esquecida

despertencida

lânguida solitária

num canto triste

das águas

 

Iara, em certeiro dia,

viu uma rede

e como toureiro

que ama o touro

pulou suicida

em ato de amor

em tal agouro

Queria ser

pertencida

mesmo que à caça

 

humilhada

caindo dentre os peixes

no barco

canta para o pescador

jovem, forte, dourado

um canto de esperança

e tristeza

 

Iara, não é mais tão velha

que não possa se casar,

pensou ela

pensou o pescador?

envolvido naquele canto

em suaves amavios

o pescador pegou-a em seus braços

pobre sereia,

prevendo o beijo

Iara fechara os olhos

sonho

esperança

e amor

sequer sentiu a peixeira

em seu coração

 

ódio de homem,

amiga Iara,

por fêmea insubmissa

é ancestral

 



 

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