edição 43 | dezembro de
2010
1 poema, 2
contos sombras
da noite
Há
um momento na noite
Em
que não adiantam apelos
Nessa
hora, qual açoite,
Algo
me eriça os pelos.
Não
saber do que se trata
Desperta
em mim tais horrores.
Pavor
cruel, que me mata
Entre
suplícios e dores.
São
temíveis criaturas
Adentrando
o recinto
Infligindo
amarguras
Satisfeitas
c'o que sinto.
Essa
dor, que é só minha,
Arrasta-me
pelos cabelos
E,
enquanto a alma definha,
Descubro: são só pesadelos.
fantasmas
A
quem causa mais dano a perda de alguém? Seria a saudade um lenitivo ou uma
tortura? Quem não teve tempo suficiente para conviver com alguém que
partiu perde, pelo fato de não ter lembranças a que recorrer, ou ganha,
por não ter de lidar com a dolorosa face da saudade?
Felizes
os que têm a lembrança,
dirão aqueles para quem as fotografias não passam de imagens estáticas
daqueles que um dia se moveram. Não interpelam retratos em busca de
respostas que jamais chegarão.
Felizes
os que são livres da saudade,
replicarão decerto aqueles para quem as imagens possuem o mesmo perfume, o
mesmo sabor, os mesmos sons do momento em que foram produzidas e
eternizadas. Aprisionadas em porta-retratos, são criaturas enjauladas que
jamais enxergarão a luz da liberdade. Vagam, por entre molduras,
refletindo a incongruência entre o instantâneo e a
eternidade.
Felizes, talvez, sejam estes que são objeto de saudade. Por objetos serem, dependem da transitividade que lhes seja concedida. São amados, odiados, lembrados. Tristes são os sujeitos que os evocam. Tornam-se simples, às vezes ocultos, indeterminados, até, mas sempre em busca de um predicativo que lhes dê razão ao sentir.
rotina
Acordar. Descobrir-se gorda, sintoma da retenção de líquidos típica do período pré-menstrual. Lidar com o ciúme dos cães, que se engalfinham pelo privilégio de serem os primeiros a saudá-la. Definir o dia. Correr ao salão. Fazer escova, pé e mão. Agendar o táxi, que se atrasa. Aturar reunião enfadonha. Trabalhar. Perder tempo. Lascar a unha recém-feita ao abrir o trinco do banheiro. Chorar de ódio quando a chuva desmancha o liso dos cabelos, devolvendo-lhe os cachos rebeldes. Olhar a agenda do filho pré-adolescente. Assinar a advertência e descobrir que deve comparecer ao colégio no dia seguinte. Oscilar entre castigo e compaixão. Titubear. Canduras de mãe a clamar. Convencer o bebê a ingerir o remédio. Forçar, se necessário. Sentir a dor que o pequeno, de manha, nem sente. Finalizar burocracias. Responder. Pagar. Registrar. Brigar com o ex ao telefone. Brigar com o atual, por não ter brigado tanto quanto deveria com o ex. Tentar se acalmar. Tomar banho, momento de paz. Vigiar os cachorros, que tentam entrar. Arrumar as coisas do dia. Pensar em tudo. Por tudo zelar. Babar pelos filhos que dormem. Regar as plantas. Jamais esmorecer. Beijar o marido. Conversar. Passar o dia em revista. E constatar, resignada, que mulher tem vários leões por matar. ![]() letal tati skor sondei,
perplexa, minha ousadia
inquirindo
o mais íntimo sonhar,
vislumbrei
dali estrela que irradia
trangressão,
devaneio, tesão: amar.
reneguei
certezas que professo
larguei
mão de safados pudores,
ao
léu não mais balbucio e confesso
a
quantos prometi o céu, risos, favores.
atirei
palavras despidas de paciência
ao
destino revolto que revidou violento,
fraudei
a ausência de fé e a luz da ciência
aos
anjos roguei pelo fim do tormento.
agora
que adentro e mergulho
na
vertigem espiral da morte,
revejo
pleno o passado, o orgulho,
futuro,
se há, que venha com sorte.
não
mais sei se ingênua ou pulha
sinto
chegando o escuro e o terror,
a
esvaziada ampola enviou pela agulha
todo o nada a me prestar derradeiro favor.
10 poemas lótus
fúnebre
o verso cala
exala coroa de pétalas
choro de vela
amigos poetas
partiram cedo
— caravelas ao vento —
quando os sinto
acendo um sorriso
esboço um incenso
me dito
templo de adoração
são seus versos
vivos
agouro
algo obscuro
logo no princípio
do poema
sussurra:
nevermore
como o corvo
ave preta
profeta
ou demônio
de poe
pop_porn
no escurinho do cinema
tanta cena
com tato
bons ais
como um haicai
curto e potente:
o micro que é o máximo
puro prazer
escuro de dar medo:
um modo te[n]so
de a noite ser
don juan
sem grandes ambições
coleciona pequenas
sem mistério
motéis lembram
crematórios
onde corpos
pegam fogo
e logo após
viram pó
na minha ausência
perdeu-se
uma reticência
quem encontrá-la
dê sequência
ao poema
classificados
ofereço serviço estético: faço massagens no ego, alongo
cabelo e pinto.
curto e grosso
cansado de dourar a pílula
levou ferro
quando falou na lata
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