edição 43 | dezembro de
2010
![]() conto-colar "suicídio", de adriana
versiani
gladíolos, anéis,
partilha
Mamãe
está sentada ao lado do espelho. Penduricalhos sem valor roçam-lhe as
ancas na seda que a criada estica sobre o banquinho de veludo. Encaracola
os cabelos o chinó sem guerra e sem vício, acaricia o escapulário entre os
seios onde pendem borlas cor de vinho do decote, babados. Um cheiro de
ópio irisa as narinas de mamãe. Lembranças da guerra restam agora no
marinheiro refestelado na alcova à meia luz, inner stage, a delícia dos olhos
que toca seu corpo em meio à fumaça.
Ontem
pela manhã, de seu inventário o amanuense fez constar primeiramente:
1
colar de ouro de sobre opa, outro colar de ouro de sobre opa, outro colar
de ouro de garganta de ponta que tem 2 balaifes e grossas, outro colar de
ouro de garganta com pendente que tem 1 diamante, 11 rubis e 11 pérolas
grossas, outro colar de ouro de garganta com arguanéis e esmaltes, 1
cadeia de ouro de garganta que tem sessenta e 4 cristais, 1 cadeia de ouro
de sobre opa, 1 joia de ouro que tem 1 diamante, 1 rubi e 2 pérolas
grossas, 8 anéis de ouro de grandes rubis, 5 anéis de ouro de grandes
rubis, 17 anéis de ouro de bons rubis, diamantes e esmeraldas, 3 crespinas
grandes de felpa de ouro fiado, outras 3 crespinas de ouro fiado de lavor
de flores, 1 crespina de ouro tirado por fieira e de prata com 162
pérolas. 2 crespinas de ouro fiado e de seda, 5 crespinas de ouro fiado e
de seda. 1 fio de ouro fieira que tem 22 pérolas muito grossas, outro fio
que tem 68 pérolas grossas.
22
toucas, 37 enxaravias de todas as cores, 8 espelhos de âmbar, 12 espelhos
da Alemanha, 31 pentes, 3 pentes de fazer cordões, 27 meadas de seda, 16
meadas de seda, uma soma grande de algodão, 6 pares de chapins dourados, 1
opa de brocado de rico carmesim, 1 opa de brocado verde rico, 3 cotas dos
ditos brocados, 1 opa de veludo carmesim aveludado.
Outra
opa de veludo preto, outra opa de veludo roxo, outra opa de veludo verde
de tércio pelo, outra opa de veludo pardo, 1 cota de veludo roxo, outra
cota de veludo carmesim, outra cota de veludo preto, outra cota de veludo
alaranjado, outra cota de veludo verde.
Outra
opa de pano encarnado, 6 cotas de panos finos de lã, 6 fraldilhas de panos
finos de lã, 1 manto de veludo preto, um mantão, 1 tabardo, 1 funda e
almofada para sela de veludo preto, 1 camisa grande mourisca, 3 camisas
brosladas de ouro, 18 camisas de lenço da Holanda, 34 varas de lenço da
Holanda, 22 varas de lenço francês, 12 peças de cordões, 6 peças de fitas.
Uma
vestimenta de brocado carmesim, outra vestimenta de cetim aveludado
carmesim, 2 sobre-pelizes de lenço francês, um pano de cetim carmesim, 8
cotas de cetim aveludado, 7 opas de escarlate, 4 crespinas de ouro fiado e
8 crespinas de ouro fiado.
![]() 11 poemas
cruz
credo
perco
o sono
sinto
medo
pisco
o olho
fecho
o cenho
muito
escuro
tudo
preto
eu
campeio
pelo
quarto
acho
um terço
pendurado
bem
no meio
do
pescoço
da
mula sem cabaço
(avemariacheiadegraçaosenhoréconvoscobenditasoisen
treasmulheresbenditoéofrutodovossoventrejesussanta
mariamãededeusrogaipornóspecadoresagoraenahoragá)
gatunos
alguns
agem no escuro
roubam
objetos leves
outros
à luz do dia
assaltam
o erário público
reza
de sétimo dia
de
mim não sabes metade
nenhum
terço
e
no escuro do quarto
onde
pensas que me tens
requinto-me
:
amores ao cesto
ácido
uns
ganham presentes
outros
ausências
enquanto
a lua flutua
o
luar penetra entre as persianas
listra
a cama o lençol as fronhas
mescla
as paredes
tua
ausência morde-me o pescoço
deixa
em minha pele a digital do frio
o
roxo dos carimbos
estrelada
a
noite mastiga o escuro
e
cospe as sementes
miragem
terrível
amar as sombras
os
fantasmas as ausências
estender
os braços
inutil_mente
olheiras
fiz
planos e orçamentos
levantei
gastos e custos
abri
o cofre a gaveta
juntei
moedas miúdos
contei
o pouco dinheiro
fiquei
de lado de bruços
rabisquei
o travesseiro
as
paredes teto tudo
virei
a lua do avesso
medi
pesei que absurdo
dormi
a noite inteirinha
não
tive paz um minuto
púbere
meu
pezinho de limão
nem
ainda adolesceu
cobriu-se
de espinhos
será
que vai entender
quando
o corpo pequenino
produzir
acidez?
medição
meço
o que faço com a régua do horizonte
e
tudo fica tão pequeno que os erros
não
me massacram
poeminha
um
barquinho na enxurrada
e
a poesia
nada
![]()
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