edição 40 | maio de 2010
temas:  um verso de Ana Cristina César | mesa de bar | jardineiro, flores, jardim

 

bolero para uma tarde de granizo
silvana guimarães

 

Enquanto leio, meus seios estão a descoberto. É difícil concentrar-me ao ver seus bicos. Então, rabisco as folhas deste álbum. Poética quebrada pelo meio. Palavra vendada. Vida sem cura. Tudo o que afasta as manhãs. Passarinho pegando fogo enquanto voa.

 

Taí. Eu fiz tudo. Contei carneirinhos. Rasguei sombras. Apaguei reticências. Enredei lembranças. Remendei o passado. Soltei o verbo e os cachorros. O que a gente não é capaz de fazer para não perder o resto da esperança?

 

Atrás de morro, morro. E é de amor.

 

Uma borboleta gira à minha volta. Treme no meu ombro antes do voo fatal: lembrança do casulo.

 

Tenho uma janela aberta e límpida à minha espera:

 

 


©audrey

 

 

 

2 poemas
tati skor

 

ana [c]

 

não a sabia

ao saber chorei

não a li inteira

nem agora preciso

sobrou emoção

no que lhe faltou em juízo

 

[mas não conheço poeta

que tenha todos

os dentes de siso]

 

 

 

[de] florada

 

alma invadida,

esgarço penetrante,

estupro de intimidade,

vento no deserto.

 

segredo que afunda no lago seco,

afoga o pensamento,

espicaça a sede transgressora,

em memória dos sabores de você.

 

melhor silenciar sangrando,

quedar desejando ansiosa,

a miragem abrasiva do seu toque,

flor de cactus.

 

 

 


©audrey

 

 

6 poemas
valéria tarelho

 

sopro

 

"olho muito tempo o corpo de um poema

até perder de vista o que não seja corpo

e sentir separado dentre os dentes

um filete de sangue

nas gengivas"

ana cristina cesar

 

 

ana c

tem sido (sombra)

constante

especialmente aos domingos

(cansativos, so boring)

em que ele dorme

(numa nice)

e cultivo

o eu insone

que consome livros

traça poesia

rói o osso

insosso do ócio

após a ceia

rica em mal passadas

vísceras

como só ana (sui

generis)

sabe cozer

:

loucura crua

doída lucidez

 

[e eu talvez

possua

:

pulso ou

pane pare_

cid(i)o]

 

 

 

 

a teus pés

 

aos domingos

sinto vontade

de jogar

ócio para o alto

e assistir caindo

— veloz

via remoto

[des]controle —

até tocar o solo

 

[ouço até o baque seco

do contato com o asfalto

vibro ao sangue

da não vida se esvaindo]

 

neste domingo

foi diferente: tive sede

gana de deixar tudo aí

no limbo tv

no lodo net

e simplesmente saltar

— saturado satélite —

do último andar

de um livro de ana c.

 

[livre

assim como ela:

ave]

 

 

 

 

 

"os gêneros da poesia são: lírico, satírico, didático, épico, ligeiro"

       ana cristina césar

 

 

ana célere

 

fez

do fim

da linha

poesia

 

[gênero ligeiro]

 

rimou

um pulo

com

epílogo

 

pingo nos

ii

em fim

 

 

 

 

sempre-viva

 

a vida

vibra

por onde

eu

f(l)or

 

 

 

 

traço-de-(des)união

 

amor-perfeito

fora flor

— mais-que-perfeita —

que brotara

a destempo

em meu peito

 

a flor sedenta

desceu à terra

 

— de

 

com

 

pos

 

ta —

 

num dia crítico

de chove-não-molha

 

ainda hoje lembro-me dela

hifenizando fragrâncias

sem-par

na memória

 

pansy

pensamento

distância

 

ad perpetuam rei memoriam

 

 

 

 

 

esporádico

 

existe um abraço

que conforta

acalma ao toque

estanca & aquece

o frio (re)corrente

 

esqueço o mundo

— daninho —

do lado de fora

se me acho no

espaço dentre o

(ex)certo abraço

 

rosas não falam

simplesmente exalam

 

rosas exilam

— com tato —

esporas & espinhos

(très) brut_

ais

 

rosas — não raro —

brotam apreço

ao raso da

pele morta

e desabrocham pétalas

pós espera:

branca & seca

 

há um abraço

— blasto —

que me floresce

em pleno asfalto

 

 

 

 

 

1 poema
virna teixeira

 

baobás, lua sobre o kibbutz

             iluminando o vale

 

ramos de oliveiras

    arbol del olvido

 

o vento semeia um canto

                       contido

 

como um lamento

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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