edição 35 | junho de 2009
temas:  farpas | o outro lado | retrato

 

3 poemas
márcia maia

como natureza morta

 

a noite se derrama além da sala

                à janela

        enquanto na fruteira

    a morte espia a vida vela

                  e ela

       que outrora era tudo

e agora é imagem nua estendida

      sobre a tela na parede

     se desveste de ternura

              ousa vôos

        entoa um réquiem

 

 

 

 

fantôme

 

 

a corda se retesa

a seta parte

                

  (talvez sangre um pouco

               ao atingir o alvo)

                            

não vê-se mão

a empunhar o arco

 

        só um estranhamento

                  a sibilar no azul

 

 

 

 

 

e nem teatro

 

então

rasgam-se cartas

 

despetalam-se flores secas

esquecidas dentre as páginas dos diários

e dos livros de poesia

 

quebram-se copos do mais fino cristal

 

 esgrimem-se palavras

 

— cruéis palavras —

 

mais mortais que os dentes em sabre

de um tigre de bengala

 

por nada  por nada  por quase nada

 

©eliége jachini

1 poema
nina rizzi

 

amor-i

 

a menina se ajunta em meu joelho. ela percebe tudo

: vou te dar um beijo pra sarar.

pena. não resolve. nada revolverá o sangue que segue por minhas veias represado.

 

esse retrato de treze anos atrás me diz que sempre volto. das fugas todas foi a prima mais longe. talvez dois mil quilômetros. professores de geografia deformados em história não sabem tudo de escalas. entre-mentes eu sei tudo das dist-ânsias. teve gente que chegou à lua, e eu, nem sol.

 

coloquei esse dedão-abençoado na estrada e ó eu lá, tão perdida, me-nina que nem dá o dó. os lugares nem pareciam tão longes. os braços era vazios de azul, o corpo virgem de cio.

 

hoje eu poderia escrever todas essas poucas folhas que me sobram e não. eu não consigo me acal-mar. eu rio. eu um choro sem fim. esse sangue coagulado que me sai é símbolo-perfeito dos braços-peito.

 

eu não quero mais ouvir dizer das crianças que são estupradas. eu toda desarticulada. era empoderamento, porra! eu que não era ouvida, que crianças mentem. mas não olvem.

 

(e se não for pra invadir meus campos, tomar posse, pelo amor aos todos patrimônios, que saiam os saias da minha cabeça.)

 

por que eu

tinha

de ser

ta(n)toos (?)

 

e não era senão parte da parede que ninguém via e não podia atravessar.

 

(entra, sai? joga minhas pernas para o ar? estado desgraçado de con-sem-tração.)

 

vou fazer ameaças. birra. me afarpar. mas qual! nem mesmo me atirar ao mar adianta-ria. nada mudou em mim que aparecesse um endereço de partilhas.

 

chico diz que beatriz mora num arranha-céu, e chora no quarto. eu já saí de sua vida que me ensinou a andar de mãos desastradas. ou que seja, distraídas.

 

olha, eu não sei mais o que digo. eu tou com medo. SUSTO! tou despencando em pencas de mim e não digo coisa, eu danço. caidinha.

 

domingo eu beijei uma garota. ela manteve a boca cerrada. e eu tinha vontade de me serrar ao meio e todas essas estradas que me estraçalham. e mais à noite um sujeito me quis os lábios. só pude lhe dar a carne morta de farpas. tantas histórias que podiam ser lindas e, no entanto, escrevo

 

amor-ii

 

milhares de cilindradas

freadas.

 

todos bitucas não industrializados

num arranque partilhados.

 

um sem-fim de noites-recipiente

: preservados meus gozos em

fingimento. desinteresse.

arte corporal, caricaturas, escrevinhamentos

perdidos.

tudos borrados que me falta o papel

higiênico.

 

a rotina pintada

sobre minha mente

mente.

 

tanto lixo esparramado

: como não dizer

que tudos passa?

 

e nessas de medo, da impossihabilidade da fuga, do susto adolescente perante diabéisso que não sei. nessa aí de não saber ser, já me pego a comer as próprias mãos como fazia manuela a morta. fumando a diamba. e a menina diz

: tu vai fumá veneno, mãe? eu te ajudo, vou jogá no lisso.

 

mas como? qual? mar é fora. voltar aos re-trapos? talvez... tentar um lado-fora de ser-tão. escrever a última página que me resta. é. re-escrever

 

amor-iii

 

uns três mil quilômetros de saudades.

todos tabacos por fumar

e não fumar

e não comer

e ficar "dançada".

 

infindas noites zumbi(z)ando

manteigas. tangos.

o corpo pintado a boca-mão

— eu, musa e papel

suada, borrada,

miscigenada aos lençóis e

pelos-pele.

eu bailarina giro-luas.

 

anelos impregnados

por todos dedos-cantos

fados.

 

o lixo interrompido pela melo-dia-voz

: como não dizer

que tudos quero?

  

 

os signos e os retratos
pomba maria

Um retrato na parede, na mesinha ao lado da cama, na bolsa, na carteira é a tentativa de ter-se sempre por perto alguém que, na grande maioria das vezes, nos traz  à lembrança os melhores dias. E de quem cada signo guarda retratos?

 

Os signos mais apegados  são os de ÁGUA (CÂNCER, ESCORPIÃO E PEIXES) por ser o este elemento o indicativo de sentimento. Sentem saudade, raiva, simpatia,  sentem tudo e isso os difere dos signos de outros elementos, que não sentem nada além de inveja dos signos de água que sentem tudo.

 

Exemplo: guardam um retrato durante anos, desde que seja da mamãe (CÂNCER), de um inesquecível parceiro sexual (ESCORPIÃO) ou de um guru indiano (PEIXES).

 

Os signos de TERRA (TOURO, VIRGEM E CAPRICÓRINO) têm a capacidade de lidar com os aspectos materiais e concretos da vida e, ainda, de expressar suas sensações ou sentidos físicos. Conservadores que são, apegam-se ao valor material, não necessariamente ao valor sentimental.

 

Exemplo: guardam um retrato durante anos, desde que tenha sido tirado por Cartier-Bresson (TOURO), retrate o pet premiado (VIRGEM), ou o Chefe que venceu na vida, fez amigos e influenciou pessoas (CAPRICÓRNIO).

 

Os signos de AR (GÊMEOS, LIBRA E AQUÁRIO), e por ser tal elemento o indicativo do pensamento, têm invejável capacidade intelectual, ordenação mental, interesse em atividades intelectuais e capacidade de se relacionar.

 

Exemplo: guardam um retrato  durante anos, desde que seja de uma pessoa que lhes disse algo inteligente (GÊMEOS), algo apaixonado (LIBRA) ou algo irreverente (AQUÁRIO).

 

Os signos de fogo (ÁRIES, LEÃO E SAGITÁRIO), sendo o fogo o indicativo da intuição, têm a capacidade de antecipar o futuro através de imagens, e insights e um entendimento imediato de qualquer situação, constituindo-se, assim, no grupo de signos voltados para a esperança.

 

Exemplo: guardam uma foto do herói que serão um dia (ÁRIES), do ator/atriz que serão um dia (LEÃO), da viagem que farão um dia (SAGITÁRIO).

 

Com apego ou sem apego, todo mundo  que chegou ao hoje viveu o ontem e isso, claro, não garante a ninguém que vá viver o amanhã, a menos que seja capaz de levar sempre consigo, no meio do peito, sobre o coração, o retrato da própria alma.

 

  

 

 

 

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