beijar-te
as pálpebras até
as farpas de teus cílios sangrarem-me
os lábios comer-te
de garfo e faca aos
pedacinhos é
de melão gelado o
teu sabor de
canhota escrevo este poema inspira-o
a falange distal do médio destro ou
tua voz rouca, sino de prata?
E
era feito uma prisão, correntes, correntezas, corredeiras. Correria em
direção contrária, contramão em seus quereres. Pois que o bom era o outro
lado, que não via. Nem sabia, nunca fora. Mas sonhava, mais queria. Sem o
tempo do relógio, sem o cheiro do feijão. Sem barriga de cerveja, tabuada,
fralda suja de cocô. Mais
cebola nos temperos, faca cega, cegos eles a suas lágrimas, já o eram a
seus desejos. De
batom. Era vermelho. E não seria? Carimbou
os guardanapos. Um gole de nada em cada copo vazio, posta a mesa. No
colarinho e na cueca. No espelho do banheiro fez desenho. Coração
apunhalado, pingando na pia: "Saio da história para entrar na
vida". Levou
um tiro no meio do peito, às 6 da tarde, no boteco da esquina, bebendo
cachaça, com mão de macho em suas coxas. E
cantando a Ave Maria.
1 miniconto, 3 poemas alma
gêmea O
retrato me dizia algo quando não me dizia nada. Assim íamos até o dia em
que a empregada o espatifou no chão. O retrato ficou em papel. Mas a
moldura feita do nosso amor, não. Empregada gostosa é
foda. 3
X 4 o
três por quatro não
é um retrato é
o close de um fato algo
que fica na carteira de
identidade pra sempre como
se nunca um dia tivéssemos
sido gente retratinho o
retratinho se iguala ao retratão quando
feito por um artista o
retratinho só não é igual ao grande quando
a gente fica maior que a vista e
o retrato e o quadro se igualam quando
o pintor é um chato que
pinta tudo o que vê como
se fosse mero retrato fotógrafo também
aguardo a primavera e
seus dedos de aurora mastigo
os ventos do inverno e
assim cavalgo a libélula então
me diga quanto tempo temos
antes de comer os elefantes as
vozes que escuto são iguanas e
as iguanas são as semanas assim
estive em Bélgica olhando
a pele de uma cobra como
se todo esse movimento fosse
na sua totalidade um nada que
envolto num barulho musgo cuspisse
tudo o que é sujo e
sujo vou me alimentando de tintas riscando-me
como um lápis sem grafite toda
a esquisitice existe e
a minha poesia é a mais pura velhice
©eliége jachini
confissões I — Queria
muito ainda ser virgem! —
Confessou a puta cansada. —
Sempre quis ser puta! —
Respondeu a virgem exaltada. II —
Descobri que não vivo sem você! —
Eu é que não vivo sem você! —
Nesse caso, acho melhor nos separarmos. III —
Boa noite —
Desejou ela, apagando a luz. —
Boa noite —
Responderam os mortos.
a
pitonisa pronuncia que está nevando no Sonho que sou
uma tempestade perfeita lá no alto, mas, cá embaixo, próximo do cotidiano
de um copo d'água e de uma
folha que cai, sei que
pareço mais a um pequeno sopro de chuva na vidraça e aprendi, nesses dias
em que reverencio uma planta bravia que eu chamo de A., aprendi que de ar
sou e me interessa muito o
que a pitonisa pronuncia perto da veneziana, e ela pronuncia que está
nevando do outro lado do nada, e também me diz que posso, ainda,
espiar a restinga, sim, eu aqui nesse hotel Continental à beira do
azul-mar-grosso-de-sal, em pleno século V dos leões transparentes, eu,
durante a sagração dos oráculos, sou aquele que escuto atentamente a
pitonisa consagrada, a mesma que pronuncia tudo e tudo sabe e devasta um
quarteirão com apenas um suspiro seu ou um andar pelas tábuas do
quarto. E,
quando anoitece nas grutas, nos pulmões e nos sentimentos
indecisos, a pitonisa
se desnuda até da pele nua e, agora, a planta bravia que eu chamo A. tem
uma cútis de Palmolive e sonha que a
tempestade guarda entre as coxas
uma claridade
que não é desse mundo nem do outro. Ela enche os terraços de músicas, de
buracos, de árias, de legiões: sua língua não passa de ar, mas um ar que
deleita até mesmo aqueles que sorvem cianureto porque
eles têm nostalgia das noites molhadas quando um corpo penetra num corpo
alheio: água na
areia. Mesmo se eu tivesse a alma rasa e inquieta, a pitonisa viria pra
chorar uma estrela em meu tímpano, e também ela viria pra revelar que a
única coisa que existe nesse mundo é uma sereia de cabelo azul,
e
esse
cabelo azul traz à tona um saber vasto e profundo, para enfim
aprendemos que só escapamos do pó se estivermos atentos à respiração da
planta bravia A.: porque diante dela curva-se o que em nós apodrece e, se
o desejo for mais fundo no escurento, e se nada temermos da tempestade, a
tempestade estará em nós sonhando, e quanto mais no alto formos a chuva,
mais acordamos do sonho e penetramos no hall do hotel Continental pra
descansar naquela cama com aquela pitonisa agarrada à planta bravia A. que
pronuncia o oráculo delicado: não
somos nada — as palavras — mais fortes que cada um de
nós!
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