edição 34
| abril de 2009
distraio o motivo (o
rompimento) Porque se mede o gosto das
coisas, eu digo.
Porque se medem begônias,
grilos, lírios, homens. Avante e recua, facílima
arte dos leitores cortazarianos. Porque se mede uma
música: por exemplo, water no get
enemy tem dez mil metros. Porque da face de alguém se
tira um sol com a língua Ou com o roçar de um dedo
macio Ou com um leve ranger de
dentes. Da vida, se tem o rastro das
coisas E liberdades de queimar
malas cheias de roupas Ou armários de
livros Ou cartas de
amor.
porque os dedos pálidos abrem um por um os vidrinhos diante do espelho ou uma caixinha de veludo, verbenas lilases, um batom e algumas ametistas brilhando ilumineiras sob as frestas do sol que derrama preguiça. Como ousar descobrir todos esses segredos? Vou te dar umas pedrinhas para que faças uns brincos e um pente de madrepérola para que te vejas assim nesses rituais, formosa no êxtase ao tocar os mimos com dedos de açúcar, o que a faz fugir da tristeza acariciando os cachos, laços e alcinhas. Deixa-te ver assim através da alma, da pele como se visse um lagarto
2 contos não é fácil dizer sim não é fácil Foi muito fácil dizer não ao homem que me convidou para correr o mundo. Mais fácil ainda foi dizer não ao mundo, a seus convites, a seus apelos. Foi muito fácil dizer não aos livros e às tintas. Mais fácil ainda dizer não ao pensamento. Foi muito fácil dizer não para meus sonhos. Mais fácil ainda dizer não à minha sede. Difícil foi dizer sim, pode ir embora. Difícil, difícil mesmo, foi aprender a dizer sim para mim mesma.
o livro dos "porquês"
Na estante do meu pai, na casa da minha infância, tinha uma coleção do Thesouro da Juventude. Em cada um dos seus dezoito volumes havia uma seção chamada O livro dos "porquês". Ali poderíamos saber porque não oscilam os pêndulos indefinidamente, porque em certas noites de verão aparecem os campos cobertos de neblina ou porque a gravidade não arrasta todas as estrelas para a terra. Por muito tempo, o Thesouro da Juventude me deu a impressão de que sempre encontraria resposta para qualquer dúvida na minha existência. O mundo era uma sucessão de causas e efeitos que me levariam seguramente à felicidade. Hoje, a velha coleção está confinada a uma prateleira de baixo de uma estante no corredor da minha casa. Rompeu-se em algum ponto a cadeia de causa e efeito e ela não me deu a felicidade prometida. Tive que cuidar de ser feliz ao meu modo. Não preciso mais dos seus porquês.
1 texto, 1
poema Aqui, nesses
dias, o balofo, o
mofo, o
molusco
da
concha das mãos, o
azeite
em que se
frita o siri, o
marisco, o
marulho, o rochedo onde açoita
o vento, a
âncora feito uma
metáfora, o ato de beber água de
moringa, de rezar
um rosário de
farpa, e logo
depois esquecer Deus e tomar um demorado banho de ondas, pescar um
velho segredo com cochicho no ouvido
de alguma mulher, bater,
bater e bater, com muita ira, o gramofone inútil
contra a cabeça da tainha, levar
muito a sério o vôo da gaivota, lamber o
sal dos
lábios de outro
alguém, não pedir licença para morar, por três anos, bem no meio da praia
de Carícias só pelo fato de ser o melhor lugar de se observar as
nuvens. Aqui
o
Oroboros. lídia
pode atravessar o silêncio dos muros Lídia
pode atravessar o silêncio dos muros se
dentro de si
não
houver
o
negrume da sobrancelha de Hitler a
dentadura amarela dos fariseus cardume
de tainhas surdas se
houver oceano
10 poemas fluidos tornei-me
assim liquefeita quando
daquela feita despi-me
de nãos e sins de
mim então me perdi nessa
vontade inconclusa acumulada
no rim ficou
a mágoa comigo fincada
dentro do umbigo um
enorme chafariz minha
tristeza de chuva esta
amargura profusa tem
olhos túmidos sou
tal e qual um dilúvio derramo
transbordo enxurro sangro
os pulsos invisibilidade esta
dor que quando olhas não
compreendes porque não
é de fratura exposta é
de amor sem resposta a
solidão ninguém vê amarelos ao
subir a minha serra pergunto
ao ipê :
por que sóis? aviso haverá
medos abismos
delírios uma
corda no pescoço e
o gozo meu querido muito
pouco porque
rápido porque
escondido porque
o paraíso é
o inferno duradouro dar
de ombros pensem
o que pensem não
importa nem
eu sei quem sou porque
vim ou voo todos
ao
pé da letra temos
calo frieira unha
encravada o
que nos consola são
meias verdades e
sapatos largos a
trepadeira cresceu espalhou-se pulou
o muro foi
mostrar a flor pra
deus e o mundo de
lá do muro boneca
de folhas balança
sapeca esfrega
o verde no
meio das pernas a
mãe galha velha nem
olha e de costas peleja
com as outras as
folhas mortas inocente o
prego sem ponta fincado no muro segura
a gaiola do pobre canário que
canta coitado assim solitário as
asas que nunca feriram o azul indigência abstrato
prato mau-trato
concreto a
fome não tem muro casebre
quatro por quatro tapera
de pau-a-pique pobreza
a mostrar a cara miséria
em riste que
fome hoje
tem marmelada :
tem não senhor hoje
tem goiabada :
tem não senhor hoje
tem palha assada :
só se for
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