edição 25 | abril de 2008
temas:  "quando soltaram os cachorros loucos" | noite

 

1 poema
dominique lotte

se a noite for silenciosa

dá um berro e depois uma risada

já é um começo

e se não der em nada arruma outra jogada

pra se livrar do presente

passar pro outro lado da existência

 

se a noite for quente

tira a roupa e se joga no laguinho da praça

e como um Apolo macho enfia o gancho

na primeira Vênus com braços

que ficar de olho grande no teu pequeno caralho

 

se a noite for de lua cheia

fica de quatro e espera paciente

o bafo na nuca do lobisomem é quente

não se avexe é tudo brincadeira

se doer chame o corpo de bombeiros

 

se a noite for fria

sobe num galho parrudo e finge ser coruja

com o olhar fixo no casal deitado na grama

se por acaso ela for tua mulher não reclama

aprende e faz o mesmo com ela na tua cama

 

se a noite for de chuva

fica em casa e toma uma Brahma

e pensa como seria bacana

ter namorada que não seja sacana

e a Brahma ser mais gelada

 

 

"no galhinho colocado atrás da orelha"

caio fernando abreu

 

rebentou a gritaria no quintal

bateu portas rangeu o rato no forro

ibira abriu berreiro de socorro

corri acudi meu filho arrastei pau

 

que nojento era aquele capiau

não marginal comum com faca e gorro

mas bicho das caverna em pé de morro

fedia a sapo morto em matagal

 

ibira ja foi cutucando a vara

e o coisa se enfeiava igual barata

dei risada e chamei meu caiçara

 

que susto filho quase cê me mata

ah mãe virei pra trás e vi esse cara

então cruza essa arruda que ele afasta

 

 

para o ladrão de flores
jane sprenger bodnar

pé ante pétala

ilusão de besouros na noite

iluminar o jardim com margaridas

para acelerar a primavera

 

 

o dentro é o fora

julya vasconcelos

Ela estendeu a mão e ele ficou olhando, examinando cada frente e verso dos dedos, a palma, as juntas. E metia os olhos em ângulos diferentes, e puxava aqui e ali. Insistia tanto quanto uma mosca no vidro ou uma mulher velha no espelho. Eu pensava que aquilo era como um exercício de alguma beleza pouco compreensível (e assim são as melhores belezas), um conhecimento didático do outro (pedaços compartimentos gavetas). Exercício que pode ser um alívio ou uma morte, ou ainda ambos. A única clareza era a necessidade de uma kodak 1920 pra registrar num instantâneo as cores contorcidas. Incansáveis. Depois de três horas encontrou uma linha desgarrada, aberta a corte, um rio caudaloso. Bebeu o rio inteiro das mãos dela, cheio de línguas. Depois subiu na sua beira e pulou para dentro. Ela só disse: mais um. Dias depois ele pulou para fora, molhado e louco feito um bicho, acompanhado de outros tantos, todos molhados e loucos.

 

 

 

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