edição 25
| abril de 2008
quarto
minguante Salão encerado, suor entre
os seios. Eu queria apanhar. Apanhar até a pele esfolar, provoquei. Joguei
a sandália num grupo que dançava em frente, atingiu justo ele. Vestido de
pirata, eu furaria seus olhos para que cego ele me odiasse. Acordei,
levantei, lavei o rosto. No palco evoluía uma banda
antiga, encantei o senhor de chapéu vermelho, ele me quis. Beijei o velho
na coxia, devagarinho. Ele me capinava o rosto com a língua áspera, a
saliva umedecia a saboneteira. Acordei, bebi da água que deixo ao lado da
cama. Passei para uma sala oval
com portas que davam para outras salas ovais, fui penetrando a ambiência.
Alguém me chama, um bispo no quarto escuro, sentado no chão. Entrei. Fui
rasgada com talheres de ferro, a carne se soltou dos ossos com nenhum
esforço, ele me desfiava pelos punhos. Roeu a coxinha de minha mão e
ofereceu o resto ao Saturno numa pia batismal.
Acordei. O homem vestido de pirata me
tirou para dançar. Não queria mais furar seu olho, desse ele um vacilo e
eu o montaria, faria dele cavalo árabe. E assim foi. Campeei seu tronco,
meu sexo ceifava o dele. As pessoas desapareciam uma a uma, o velho de
chapéu vermelho tocava de costas. Acordei, abri as cortinas do
quarto. O salão repleto de meninas.
Matinê, eu era tão menina que as coxas não fibrilavam com o calor. Fiz
trenzinho por horas, enfastiada, cochilei no palco. O velho da banda me
guardou na caixa de seu instrumento. Acordei. Deixei tudo como estava,
entrei a festa já ia alta. Me capturaram, dois homens. Um deles patinava
dedos na minha cintura, outro soprava minha nuca. Dilataram-me. Bebi
delícias de homem. Uma cereja entrou em mim, um licor escorreu, adocei e
fui adoçada. Voltei sozinha, eles
ficaram. Até minha casa, túneis e faróis verdes. Deitei-me nua e almiscarada, dormi. ensinamento Um cansaço bem maior que a
capacidade de compreensão. Quando chegou, era noite; não exigiu
explicações. Nenhuma. Precisava. Lembrou-se do modo como a mãe esmerava-se
em raspar cuidadosamente as pernas com a mesma lâmina com que o pai fazia
a barba. As longas pernas da mãe acariciadas pela lâmina, preparando-se
para serem acariciadas pela língua do amante. Uma lâmina mais afiada que a
que o pai usara há poucas horas. Era uma delicadeza observar tudo aquilo.
Ajudar a mãe a se preparar para o amante. Por isso quis. Porque fazia
lembrar o silencioso passeio da lâmina na carne branca da mãe. Isso
aproximava as duas. Essa cumplicidade. Quando o corpo traduziria outras
linguagens desconhecidas do pai. O peso. A febre. Fluindo. Tudo a mesma
freqüência do som original. O feto dentro do útero. O falo dentro do
fluxo. A mesma atmosfera do vapor que saía de seu olhar. Se conseguisse se
concentrar o suficiente poderia compartilhar da pulsação do mundo. Por
isso não exigiu explicações. Nenhuma.
1 conto, 1 poema o destino late antes da
hora Joly foi amarrado ao
meio-dia. Só olhos e sede. O pé de juazeiro era pouco para a impaciência e
o silêncio. A tarde era castanha e corria em um abril sereno, desses sem
nuvens e de brisa rasteira a balançar as saias. Joly foi amarrado ao
meio-dia. A menina se aproximou da
corda e foi puxada bruscamente pelo pai. Sem entenderem nada, o encontro
de quatro olhos aflitos, partido apenas por um leve grunhido e um suave
balançar de rabo. Joly foi amarrado ao
meio-dia. Olhos vidrados, baba na boca. Não quis o pão embebido em leite,
nem o almoço tirado da mesa e longe das sobras. Joly foi executado ao
meio-dia. Um pai uma única mão um único tiro misericórdia nos olhos. Duas
cabeças dois corações. Um destino que parou. A menina não tinha palavras na boca e
correu estrada afora. Tarde sem dentes, água entre as pernas e um latido
encravado no ouvido. A mulher parou no sinal ao
meio-dia. Só olhos e cansaço. A sombra da alameda era pouca para a
impaciência e o barulho. A tarde era castanha e corria em um abril
apressado, cheio de nuvens e de um vento ligeiro. A mulher parou no sinal ao
meio-dia. O menino se aproximou do carro e puxou bruscamente a arma contra
o vidro. Sem entenderem nada, se repete o encontro de quatro olhos
aflitos, partido apenas pelo suave levantar do cão. A mulher parou no sinal ao
meio-dia. Estava com fome e na mesa posta pratos e filhos à sua
espera. A mulher foi executada ao
meio-dia. Um menino duas mãos
vários tiros uma bolsa. Duas cabeças dois corações dois destinos. O menino
não tinha misericórdia nos olhos vidrados e correu rua afora sem amarras.
Tarde sem dentes, baba na boca, água entre as pernas e um barulho de
sirene no ouvido. vinil para rodrigo
cortez à
noite a cidade muda de
pele a moça de
vermelho coxas de
pedra serve um gim ao
poeta que tateia um
verso na vitrola anísio
silva diz que sofrer por ti é
viver à
noite a cidade muda de
pele e o homem da
esquina se perde entre balas e fogos
de festa ![]()
nem todo mundo Penso, Daniela, eu, esse maior dos idiotas — um confesso, contudo —, que existem só dois tipos de pessoas, a despeito de tudo mais: as que, no amor, precisam antes ser amadas e as que precisam amar. "Alô… Oi, te acordei?".
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