desdobrando
abstratos nuvens são seus
cabelos chuva de sombras
estrangeiras consentir de
dores por pisar em infinitos
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salve, raposinhas Você precisa derrubar
paredes, diziam, soprando para cima dos olhos a franja espessa. Derrubar
paredes. A casa sonhada de tantos anos. Dias internada ali. Sem móveis, um
colchão num dos quartos. Uma lâmpada aqui, outra em outra na sala e na
cozinha, malas abertas com roupas amassadas dentro, sapatos espalhados em
todos os lugares. Asceticismo inútil. Penitenciando a vida
inútil. Entretanto a paisagem
vibrante encharcava a janela. "Não existe espaço fora de mim", pensava, a
vista estonteante. Copos-de-leite em profusão, o azul arrebentando o céu,
o bosque de pinheiros refugiando os excluídos da ordem urbana. "Não existe
espaço fora", sussurrava para a sombra em que pisava. A chama da vela
subia e descia, como um morto buscando mais fôlego. "Não existe espaço", o
íntimo aturdia. Mas a avidez exigia a paisagem limpa. O mundo primitivo, a
selva preservada no bosque. Dentro da mata, raposinhas espreitavam para
atacar ovos de galinhas e patos, desarranjando a ordem do
lugar. Um homem que aprendeu a
desviar-se dos perigos da vida não sabe. A Morte é um Deus. Armadura,
espada e palavra aguda. Um homem alerta não sabe morrer. Lembrou amigos
perdidos que não mais voltariam. E amigas que relutavam em aceitar
batalhas perdidas. "Não existe". As mais resistentes, coração de mãe. Em
todas as guerras, as últimas a cair. "Não". Derrubar paredes,
comungar com a Natureza. Ser o Deus único, o Eu a sós, contra a
bestialidade civilizada. Alimentar raposinhas, restaurar a ordem natural.
Ser espessa, indiferenciada, viva. Derrubou as paredes e os olhares
estavam ainda, sérios, sob as franjas cerradas.
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