edição 19
| agosto de 2007
última chamada Sinal fechado. A menina
levanta-se do fio da calçada e vem em minha direção. Ela carrega uma caixa
com pacotes de balas coloridas, que vende a um real cada. Reconheço aquela
bala de morango que gruda nos dentes e faz a gente babar. Sinto na boca o
gosto da minha infância. Pego a bolsa no banco de trás e começo a procurar
por moedas. Ela chega ainda mais perto do vidro, está suja, escabelada e
ansiosa pelos trocados. Abre o sinal, antes de fecharmos o negócio. O som
das buzinas, atrás de mim, faz com que eu me sinta na
obrigação de partir. Acelero o carro e deixo a menina ali, com a mão
estendida no ar e a esperança escorrendo pelos dedos
melados. Eu não deveria ter saído
assim, sinto uma culpa que só vai embora quando começo a arrumar as malas
para a viagem. Está chovendo Olho para o relógio e vejo que preciso correr ou vou perder o avião. No aeroporto, uma fila enorme para o check-in. O alto-falante anuncia a última chamada para o vôo 3054. É o meu. Mostro o meu bilhete ao funcionário da empresa, que me passa à frente dos demais passageiros. O avião está lotado, com a
capacidade máxima e, para mim, só sobrou um lugar bem ao fundo, ao lado do
banheiro. Quem mandou chegar atrasada. Passo por uma mulher grávida. Um
senhor que não sabe desligar o celular. Um executivo que pergunta à
aeromoça se já pode ligar o laptop. Uma turma animada de amigos que
gostariam de sentar todos juntos, mas não marcaram os seus assentos lado a
lado e acham que não custa nada os outros passageiros trocarem de lugar
com eles. Está criada a confusão. Eu peço licença e vou seguindo o meu
caminho, já gostando da idéia de ficar afastada daquele
tumulto. Sento-me ao lado de um
adolescente tímido, que enfia o rosto em sua revista. Eu faço o mesmo.
Aproveito para abrir aquele livro que ganhei no natal passado e que ainda
não tive tempo nem para ler a contracapa. Não aceito o serviço de bordo,
pois quero guardar a fome para aquele restaurante japonês que uma amiga me
indicou. Assim transcorre o vôo normalmente. O piloto avisa à tripulação que dará inicio ao procedimento de descida. O adolescente acorda e pergunto-me se ele estaria fingindo que dormia. Tanto faz. O que importa é que a minha segunda lua-de-mel está para começar. O avião toca o solo em alta velocidade. Uma velocidade fora do comum. Os passageiros se assustam e começam a gritar. A tripulação pede calma. Olho pela janela e vejo que a pista está terminando. O avião sai da pista, indo em direção a uma movimentada avenida, cheia de carros. O pânico aumenta. Os passageiros levantam-se. Vamos bater em um prédio. Escuto um estrondo e vejo o fogo vindo em minha direção. A última coisa que vem a minha mente é a imagem da menina do sinal, esperando por mim.
demorei a chegar como demoraria a pétala caída da flor da janela do 12º andar x%@$# me esperava olhando para o céu. ironia ao tropeçar nela
ela
sorriu e jogou seus longos cabelos
para trás
e faíscas azuis me
penetraram e perfume de limoeiro e
champanhe me
envolveram e a ponta dos seus
dedos tocaram de leve meu
rosto ouço o trompete de Chet
Baker "Let's
get lost", e João
Gilberto sussurra "A garota de
Ipanema" ah, e todos os meus
sentidos bailam, "quantos sentidos têm?",
pergunto, "cinco!",
responde, "e o sexto?",
retruco ainda sorrindo,
afasta-se: "ironia e bom humor, faz
sentido?".
soneto zumbido meu coração traz rios e
afluentes maré que emaranhou no
catimbó mosca presa na teia do
cipó bate um vento eu balanço
trás pra frente fiapos me suspende nas
enchente brota flor de tajá no meu
roncó passa um cheiro que lembra
igual da vó e eu boto na tigela seu
azeite mastigo aqui comigo uma
raiz deixo ibira no mato de
castigo juçara isgoela eu limpo seu
nariz cuspo saliva azeda ouço um
zumbido lembro de ver no forno o pão
que fiz é esse então o tal sexto
sentido? |