edição 14 | março de 2007
cinema

 

a casa vazia
eugênia fernandes

Para Farah Diba Fernandes, irmã.

 

O filho da casa

não nasceu nela,

mas abre no tempo

uma clara janela

e através dela

anda entre ruínas.

O que foi cancela

agora se inclina,

não em reverência,

mas com a disciplina

do que morre com

a devida paciência.

O que foi cerca

será que ainda

circula (antes que

se perca ou de uma

vez se anula) um

imaginário espaço

de cascalho e mata

onde umbu e estrume

de rês pari passu

era a inútil prata

que o filho assume?

Agora ele entra e

atravessa o terreiro,

que, meio inclinado,

(no passado venta)

é todo gretado.

 

Chama como de

costume (ninguém

responde), antes de

subir os degraus,

vira-se: ao longe,

cumes onde a tarde

se esconde. O primeiro

degrau foi arrancado

de lajedo. O segundo

degrau (cada passo

um certo medo) é

tronco de aroeira. O

o terceiro e último

degrau que ele pisa

dá alguma canseira,

chega à porta e avisa

e ninguém responde.

 

O teto está todo

no chão (avós, tias,

primos, aonde?),

as paredes se

sustentam grossas

com seu adobão.

A porta já carcomida

(as dobradiças se

desagüentam) desaba

sem uma batida.

Porém, antes de

entrar a memória

de invenção, faz

o filho da casa

tremer e hesitar

como pássaro

sem asa em

sua iniciação.

 

A casa é toda

mineral: o que

foi madeira se

fossilizou, o que

foi arame é mais

que ferrugem, da

telha ao contorno

do curral uma só

imagem vigorou

condensada na

ruína da paisagem.

 

Não esquecer que

a memória é um

riacho que desliza

como o que nas

cercanias da casa

corria e histórias

de peixes e seixos

enverniza. Envernizava.

Cai o dia. A treva

que tinge tudo faz

o filho ficar mudo

e voltar-se para

antes-antes quando

a casa era solar e

sob a sombra da

gameleira primos

e manhãs brincantes

eram o tempo sem

atuar, ignorado em

sua esteira. A infância

em cada folha,

respirava em cada

grão de gergelim,

de areia. O sol

síntese na bolha

soprada de sabão

que explode na

teia densa da

caranguejeira

que é a única alusão

ao real que nos ferra.

De sofrer esta é a

maneira mais suave

de oração. Solitário,

um novilho berra

e rompe o silêncio

sagrado ao pino do

meio-dia, a infância

ouve o chamado,

pois fome não se

remedia, senta à

mesa e se sacia

com o requinte

rústico do que

lavrada dá a terra.

Ao longe o azular

das serras. Quanto

mais se vive muito

mais se recorda.

A infância percorre

a sala sem saber o

quão é livre — no

quarto o seu sonho

acorda ao pisar

num caco que estala.

O filho retorna e

adentra na casa

vazia e sem teto,

seu olhar mais se

atenta seguindo

firme e reto —

cada cômodo é

dolorosamente

vasculhado e

absorvido, a cada

passo o tenso ruído

do assoalho sujo

e gemente, já foi

vermelho e luzidio.

Em cada cômodo

vazio o passado

faz-se presente.

 

O filho da casa

enxerga na treva

e através dela vaza

o tempo lendário

que o tempo leva: o

mundo em miniatura,

múltiplo e vário:

país, polis, criatura

lentamente e de vez!

"Filho, quem nos fez

É o Mestre dos contrários",

— diz uma voz oracular

vinda da treva aberta.

O filho dessa incerta

casa (apesar, apesar

de sua concretude no

ar) o próprio peito

oferta crendo que delira.

Pára, se apóia, inspira

e a voz precisa retorna:

"Filho, só pode passar

o que verdadeiro nasceu,

a ponte interminável

entre o início e o acabar

não é um trabalho seu,

a morte é imensurável

em sua máscara palpável".

 

Reduzido a ser só

filho da casa escura

e finda quer berrar

como o novilho, mas

não berra ainda.

Percebe na voz um

brilho que no trevor

se destaca, e num

crescendo concêntrico

vai alargando sua

luz, a treva cede,

não mais ataca, e

lenta a voz conduz

pro máximo amanhecer.

Continua ela a dizer:

"Filho, o vôo é frágil

e vento qualquer o

pode abater, mas é

do alto o seu intento

e retê-lo é deformá-lo

em letra, tela, pauta,

pensamento, há que

ilimitado amá-lo e

assim torná-lo o seu

centro como quem

ama o que lhe escapa,

mas sabe que o seu

mapa é o seu maior

contentamento".

 

O volume da voz

ressoa suavemente

pelo entorno. Ele, o

filho, logo imagina

uma magra vaca

que doa no curral o

seu leite morno nas

rudes manhãs meninas

onde a infância se

fartava. O sol faz

do dia um forno e o

suor sua face lava.

O filho, não mais

disperso, volta ao

quarto verso onde

ele mesmo abriu

uma janela no vazio —  

clara sim como a

casa, vária sim como

a casa, fluente como

o verbo-rio, que nada

inaugura, ele sabe,

mas antes que a

casa desabe, vale a

casa porque existiu.

 

 

soneto prinspi
florbela de itamambuca

no domingo saímos oito pé

três fío na cacunda da florbela

zoinho isbugaliado espia a tela

e a cara lambusada picolé

 

pra nóis que leva vida de marré

a istória não tem prinspi nem donzela

o mar a lua a noite o barco a vela

é o cinema da gente aqui ralé

 

se você quer saber lá das dondoca

leva as ropa pro rio ergue um varal

a pipoca é a farinha de mandioca

 

se você corre as vista no jornal

encontra o mastigado das fofoca

cinema aqui é manchete policial  

 

 

 

1 poema
jane sprenger bodnar
 

*

 

ócios

não justificam

asas quebradas

e ossos de junco

 

cinema lotado

de poltronas vazias

 

 

.

 

 

 

 

compartilhar:

 
 
temas | escritoras | ex-suicidas | convidadas | notícias | créditos | elos | >>>