edição 10 | setembro de 2006
morte

 

saison en enfer
bruna beber

mlle verlaine

vai com estranhos

como vão as crianças 

 

perturbar os médicos

para saber o que é

um estetoscópio 

 

mlle verlaine

me ama infinito

como amam as crianças 

 

mas não quer me ver

nem pintado

de Londres em 1872 

 

quer me ver dormindo

doce

debaixo da terra.

 

 

 

matador
dominique lotte

— bundas, xoxotas, peitos espalhados pelas paredes, pelo visto continua punheteiro — falei ao sentar-me numa poltrona — porra, seu apê é um lixo, fede pacas.

Não respondeu, sentou-se na cama, descansou a arma no colo.

— não tenha pressa — continuei — não vou a lugar nenhum, acendi um cigarro — quem te contratou? foi o Galego, só por que comi a puta dele? não devia ter aceito, droga, nos conhecemos faz tempo, desde o colégio, né? colega não apaga colega.

— grana é grana — resmungou ele.

Eu precisava ganhar tempo, continuei falando, manso, pausado, discorri sobre sua vida, um sorriso inexpressivo no meu rosto, olhar fixo no dele, interrompia a seqüência com um "se lembra?", ele movia a cabeça, acariciava a arma, retirou o pente e recolocou-o algumas vezes, até uma lágrima escorreu do canto do seu olho, quando mencionei: "se lembra quando apagou aquela bichinha linda?", ele fez o sinal da cruz, abria e fechava a boca como se estivesse sem ar, não o deixei interromper-me, minha voz um sussurro, intimista.

— sempre sentiu tesão por mim, né? — falei como se aquilo fosse algo muito normal.

Com uma das mãos entre as pernas, seu olhar falava de amor.

— não se acanhe, entendo — continuei.

Ele abriu o fecho da calça, enfiou a mão dentro.

— sei, sei — continuei, sedutor — a culpa é de sua mãe, tu me contou, lembra?

Olhos fechados, ele movimentava lentamente a mão escondida nas calças.

— naquela tarde, na saída do colégio, o vento arrancou a peruca dela, você não sabia que usava, ela era careca, os garotos se esbaldaram, como riam aquele putinhos, fui o único a te defender, lembra? aposto que quis matar a velha naquele instante, como era possível ela te enganar tão bem? ia ao cabeleireiro duas vezes por semana, ora ruiva, ora morena, pegava na tua mão e colocava-a nos cabelos, "veja como são sedosos" dizia, foi o que tu me contou, como era possível acabar com o sonho de uma criança? sei, tu é louco por mulher, mas não consegue, vê nelas sua mãe careca, esse negócio de língua e dedo, tentou? é legal, mas deixa pra lá.

Ele começou a gemer, eu sorria para ele.

— na tropa todos iam à zona, te chamei várias vezes, nunca foi, correu o boato de que tu era diferente, eu sempre te defendendo.

Ele ouvia de olhos fechados, gemia, começou a tremer.

— tocava uma bronha, às vezes duas, três por dia, entrava e saía das igrejas, se confessava toda a semana, os evangelhos Marcos, Mateus, Lucas, João, sabia quase de cor, o beijo da morte, coisa sublime, crucificação, ressurreição, tudo a partir do beijo de Judas, sempre beija quem morre pela sua mão, né?

Ele se sacudia, grunhia.

— como foi a primeira vez que tu apagou um? aposto que vomitou, na segunda tu enjoou, na terceira foi moleza, depois mais cinco, o destino, acredita nele? ele tem que ajudar, não acha? estou com vontade de te embolachar, mas sem ódio não dá.

Ele soltou um longo gemido, fechou os olhos, lágrimas escorreram pelas pálpebras fechadas, depois olhou pra automática ao seu lado, fez menção de segurar ela.

— sei, tem que fazer o serviço em mim.

Os soluços pararam, colocou as mãos entre as pernas e retorceu-se, gemendo.

— te entendo — falei, conciliador — não consegue esquecer, não consegue, sempre aquela careca à sua frente, mas não deve reprimir seu desejo por mim.

O reflexo do luminoso do hotel em frente entrou pela janela, olhei o relógio no pulso, dez horas, quase uma hora aqui, ele soluçava com a cabeça entre as mãos, levantou-se, parou à minha frente de braços abertos, caiu de joelhos, os olhos implorando.

O primeiro soco atingiu-o no nariz, caiu com os cotovelos apoiados no chão, tentou levantar-se, chutei a cara dele, tossiu, cuspiu sangue e dentes, enquanto isso, meu olhar parou nuns papéis espalhados na mesinha, apanhei um e li: "Os poderes divinos serão seus, livre a humanidade de conspiração dos infiéis, nova cruzada está a caminho, mande sua contribuição, Caixa Postal nº..."

— acredita nessa merda? — perguntei, chutando suas costelas — aqui também diz que mulheres e homens ressuscitarão e que Jesus garante aos eleitos carro e casa no céu.

Amassei o papel, joguei-o pela janela.

— acha que Jesus tem um carro também? — continuei.

As palavras ressoavam no pequeno quarto, confetes caindo em cima de um quase defunto.

— sabe rezar? — continuei.

Um som ininteligível saiu da boca desdentada.

— mais alto, seu puto!

Segurei sua cabeça, beijei-lhe o rosto, levei-o até a janela, esperei, ouvi o baque do corpo espatifando-se na calçada, acendi um cigarro e saí.

 

 

 

 

 

 

soneto estribo
florbela de itamambuca

se já tive coragem de verdade?

ô... pra cima das pedra alta me arribo

mas se penso em meus fío nego estribo

que eu não ia agüentar tanta saudade

 

pisquei e um desespero vem me invade

ligero que nem flecha lá da tribo

vem e vai nem pergunta do recibo

nem se pode ir entrando ou se tá tarde

 

a morte é assim pra mim não faz pergunta

e me desobedece o meu querer

é as pedra lá de cima que me intrunca

 

desse jeito eu aprendo a não saber

não respondo o silêncio que me assunta

vou segurando as rédea de viver  

 

 

 

1 poema
jane sprenger bodnar
 

*

 

bala de prata

duelo

de lua e violino

para matar de azul

uivos de menino

 

 

           (p/ Pedro Arthur

                  1963-1996)

 

 

.

 

 

 

 

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