edição 10 | setembro de 2006
morte

 

em ré maior
adelaide do julinho

meu amor toca viola:
mas bom mesmo é quando
ele viola-me.

 

 

é só amor
adriana oliveira

Susane  está em depressão. Sente muito sono. Engordou  seis quilos e não consegue sentir prazer. Seu marido Flávio desistiu de procurá-la e não sabe até quando irá suportar essa abstinência.
 
Lucas tem uma vida sexual ativa e procura não repetir suas parceiras. Sai à noite à caça e, por regra, não leva as mulheres que conhece para a sua casa, tornando-se um grande apreciador de motéis em Porto Alegre.
 
Susane e Flávio perderam um filho. Aborto espontâneo. O maior desejo de Flávio é ver os olhos de Suzane sorrirem outra vez. Ela largou o emprego de gerente em uma loja  e passa seus dias na frente da televisão. Ele já lhe propôs viagens, jantares e  um outro filho. Ela não quer tentar.
 
Em uma boate, Lucas conheceu Aline e se sentiu especialmente atraído por ela. Além de bonita tinha um grande senso de humor. Passaram a noite juntos, na casa dele.
 
Flávio é um homem jovem e bonito. Ele aceita o convite de uma colega para tomar uma cerveja depois do trabalho. Da cerveja foram para o uísque. O beijo foi uma conseqüência.
 
Lucas e Aline passaram a sair todas as noites. O sexo estava a cada dia melhor. Aline lhe mostrou um teste HIV e pediu que ele fizesse o mesmo, para que pudessem transar sem camisinha. Ele disse que faria o quanto antes, mas não fez. Decidiu se afastar de Aline. Transar sem camisinha é muito vínculo.
 
Quando Flávio chega em casa, Susane está dormindo. Não sentiu a sua falta, mas ele sentiu a dela.

     

 

 

 

 

espelho
antonia pellegrino
 

Preferiu me comer de costas. E eu sabia bem porquê. Meu corpo, pra ele, um estorvo. Fantasias antigas e irrelevantes vinham à mente: a ex-namorada gostosa, sarada, corpo de playboy sem photoshop; a outra, libertina e tatuada. E eu ali, uma deusa, uma coitada. Peito explodindo, barriga inchada. Tentamos esquecer o essencial; impossível. Gozamos.

   

A água caía misturando-se às nossas lágrimas. Uma banheira, espaço exíguo, continha dois corpos numa distância abissal. Tive pressa em me lavar e sair dali. Pensei em dormir sozinha em outra cama, em outra casa ou passar a noite de camiseta, ocultando o inocultável. Sumir seria o mais apropriado. Não deixá-lo me ver, pra não ver as lágrimas em seus olhos. Nos meus olhos. O modo como ele me olhava, o modo como eu me sentia: metonímia. Eu era toda o nosso filho. Eu era a imagem mesma da morte.

 

 

 

 

 

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