edição 10
| setembro de 2006
em ré maior meu amor toca viola:
é só amor Susane está em depressão. Sente
muito sono. Engordou seis quilos e não consegue sentir prazer. Seu
marido Flávio desistiu de procurá-la e não sabe até quando irá
suportar essa abstinência.
Lucas tem uma vida sexual ativa e procura
não repetir suas parceiras. Sai à noite à caça e, por regra, não leva as
mulheres que conhece para a sua casa, tornando-se um grande apreciador de
motéis em Porto Alegre.
Susane e Flávio perderam um filho. Aborto
espontâneo. O maior desejo de Flávio é ver os olhos de Suzane sorrirem
outra vez. Ela largou o emprego de gerente em uma loja e passa seus
dias na frente da televisão. Ele já lhe propôs viagens, jantares e
um outro filho. Ela não quer tentar.
Em uma boate, Lucas conheceu Aline e se
sentiu especialmente atraído por ela. Além de bonita tinha um grande senso
de humor. Passaram a noite juntos, na casa dele.
Flávio é um homem jovem e bonito. Ele
aceita o convite de uma colega para tomar uma cerveja depois do trabalho.
Da cerveja foram para o uísque. O beijo foi uma conseqüência.
Lucas e Aline passaram a sair todas as
noites. O sexo estava a cada dia melhor. Aline lhe mostrou um teste HIV e
pediu que ele fizesse o mesmo, para que pudessem transar sem camisinha.
Ele disse que faria o quanto antes, mas não fez. Decidiu se afastar de
Aline. Transar sem camisinha é muito vínculo.
Quando Flávio chega em casa, Susane está
dormindo. Não sentiu a sua falta, mas ele sentiu a
dela.
espelho Preferiu me comer de costas. E eu sabia bem porquê. Meu corpo, pra ele, um estorvo. Fantasias antigas e irrelevantes vinham à mente: a ex-namorada gostosa, sarada, corpo de playboy sem photoshop; a outra, libertina e tatuada. E eu ali, uma deusa, uma coitada. Peito explodindo, barriga inchada. Tentamos esquecer o essencial; impossível. Gozamos.
A água caía misturando-se às nossas lágrimas. Uma banheira, espaço exíguo, continha dois corpos numa distância abissal. Tive pressa em me lavar e sair dali. Pensei em dormir sozinha em outra cama, em outra casa ou passar a noite de camiseta, ocultando o inocultável. Sumir seria o mais apropriado. Não deixá-lo me ver, pra não ver as lágrimas em seus olhos. Nos meus olhos. O modo como ele me olhava, o modo como eu me sentia: metonímia. Eu era toda o nosso filho. Eu era a imagem mesma da morte.
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