edição 8
| julho de 2006
sem nome I
Rio correndo lentamente.
Gargalho, como se farfalhasse
feito folhas caídas pelas margens. Ele mente sempre que se levanta e eu bem sei disso. ainda assim, corremos lado a lado: eu ruidosa; ele silencioso, amarelírico. E eu que nunca minto, evito olhar em seus olhos, para não cegar.
II
Depois da chuva, quem se habilita
a percorrer suas próprias planícies de algodão?
Deise Buchanan um belo dia cansou de ser personagem de Fitzgerald e iniciou a escrita de seu diário. Dizem que ela vive em Vitória, no Espírito Santo, mas até ela não tem certeza disso. Por via das dúvidas, ela costuma sentar-se ao piano e arriscar algumas canções de Cole Porter, porque os anos vinte, esses sim, é que eram anos furiosos.
dois e future
1º capítulo
Homem = ser humano. Mulher, um ser humano. Mulher, um homem. Um homem, mulher.
2º capítulo
Foram Eles que
não aceitaram mais ser Homens.
Embora na frase anterior, aceitaram tampouco o pronome reto:
Eles, Homens.
3º capítulo
Manteve-se o artigo: O Inegável a masculinidade do: O Daí o ELO, pronome
reto.
ELE
significava
agora IT. Como é bom ter IT.
E
para
unissex. A
rua =
E
rue O
ser
humano =
E
ser humane E
homem,
e
came, e
livre, e paz, e
dor; indiscutível a neutralidade de: E.
último capítulo
Elos procuram
outre substantive que nãe Homem. Enquante isse, ainde muitas se parabenizam
pele die internacional da mulher
*
não diz, o homem. teria ninguém ao lado, se dissesse. não diz Estúpidos, hoje, estúpido, dizendo, diria Minha família.
Diana de Hollanda (Rio de Janeiro-RJ, 1984). Foi publicada nas coletâneas Contos do Rio (Bom Texto, 2005), Contos sobre tela (Pinakotheke, 2005), e também em revistas como Poesia Sempre (Biblioteca Nacional) e Inimigo Rumor (Cosac Naify/Sette Letras). Edita o blogue Candeia de Vento.
homem Belo tenebroso, esplêndido filho da África talhado
em contornos de sóis noturnos: possantes coxas para andar
majestoso e porte
de deus sudanês com ares soturnos. Ó
vigoroso Africano urbano (habitante das cidades brancas
deste mundo afora) Se
fosse possível esculpir-te em motes os
meus seriam de assombro, Ó
negro garboso, E
faria eu um poema piano Misterioso Preto
no branco Nas
teclas de Thelonius (Monkey) Para
ti, Ó
belo sombrio em diáspora
Flávia Nascimento Falleiros é professora universitária e tradutora literária, autora de vários artigos publicados em revistas universitárias (sobre as literaturas francesa, portuguesa e brasileira). Publicou alguns poemas na revista Inimigo Rumor n° 17, é autora de uma plaquete de poemas inédita: Brasa móbil de vôo ágil, e de textos curtos em prosa, também inéditos. Paulista (mas também um pouco mineira), vive atualmente, desarraigada, na França. Escreve para trocar de pele, o que no fundo é uma forma bastante peculiar de desespero ligada, provavelmente, à constatação do caráter efêmero da existência.
meu primeiro
romance Sento
no meio do movimento para assimilar qualquer identidade. Sou ladra
de espírito e matéria. Inspiro-me, radicalizo, olho
bem, agradeço, faço as contas, acendo uma vela e rezo um pouco antes
de chegar a qualquer conclusão. Já não me importo com a solidão, desde
o dia em que ele me deixou. "O problema, cara, é que você
lê mais outdoor que literatura!". Depois de transar a gente
sempre acabava brigando. E tudo muda um pouco depois
que se transa muitas vezes. O sabor do beijo, o cheiro do corpo, a
intensidade da estocada. E a mente atormentada durante a copulação. Saio, ando por aí e tenho
umas centenas de amigos nesta cidade hype, rap, pop, imensa, mas permaneço
sozinha, sempre procurando a sua fisionomia. A insanidade nos agracia com
a inexistência do remorso. Matei-te porque te amava e
não me arrependo disso. Joguei teu corpo no meio de um matagal suburbano
e ninguém sentiu tua falta, porque só eu sentiria tua falta. Mas não
sou Orfeu e não vou te resgatar de merda de inferno nenhum. E o assassinato
nem foi premeditado, foi meio de repente, não tenho porque ser condenada.
O mal que você me fez foi pior e se fosse você que tivesse me matado
eu ia te agradecer para sempre. "Você é meu único amor, meu
primeiro romance" eu te dizia isso sempre pra te fazer mais feliz. Aquele dia você chegou muito
bêbado. Já era de manhã e eu já estava de mau humor. Você vem e me
beija e eu adoro porque sou tua e serei sempre tua, não pertenço a
mais ninguém. Minha memória. A cor dessa
memória é vermelho-sangue, pois tinha muito sangue na nossa cama depois
que eu te baleei. Puta que pariu teu revólver funciona e eu achei
que ele só servisse para aquecer nossas taras. Peguei teu corpo, bebi teu
sangue, queimei o colchão, lavei tudo com água sanitária, botei as
toalhas de molho, te dei um último beijo e ainda acariciei teu pau
numa tentativa de ressurreição. Foi um crime perfeito. Imperfeitos somos nós.
Gabriela Previdello (São Paulo-SP, 1974). Formou-se em artes plásticas, foi atriz de cinema e atualmente diverte-se com direção de arte. Apaixonada por imagens e letras, até hoje escreve nas paredes de sua casa.
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