edição 7 | junho de 2006
desejo

 

striptease
carola saavedra

A música era suave e lenta. O corpo deslocava-se em movimentos ritmados. O corpo era magro e flexível. O corpete escuro apertava os seios. Os seios elevavam-se de acordo com a respiração. O corpete escuro apertava a cintura. A cintura era fina e não se elevava. Os braços eram brancos. Os braços se moviam em harmonia com o resto do corpo. As mãos eram brancas. As mãos se moviam em harmonia com os braços. As mãos deslizavam pela cintura. As mãos deslizavam pelos quadris. Os quadris eram largos. Os quadris oscilavam em movimentos circulares. As pernas eram longas. As pernas se equilibravam sobre os saltos dos sapatos. O corpete era escuro. Do corpete saiam duas ligas que se agarravam às meias. As meias eram escuras. As pernas eram brancas. Os braços eram brancos. Os braços se estendiam para o alto. Os dedos se cruzavam sobre a nuca. Os quadris oscilavam em movimentos circulares. Os dedos eram finos e longos. Os dedos soltavam os cabelos cacheados. Os cabelos cacheados caíam sobre os ombros. Os cabelos cacheados caíam sobre as costas. O corpo se virava. As costas pareciam desenhadas por pequenos músculos. Os dedos soltavam as amarras do corpete. O corpete caía sobre o chão. Os quadris oscilavam em movimentos circulares. O corpo se virava. Os lábios se entreabriam. Os dentes brancos mordiam o lábio inferior. O lábio inferior era vermelho. O lábio superior era vermelho. Os cílios eram negros e longos. Os cílios pesavam sobre os olhos. As unhas eram vermelhas. A boca era vermelha. O corpo era irretocável.

 

Eu sei que ela havia ensaiado cada parte do espetáculo.

 

Eu tinha que fazer alguma coisa.

 

 

gol
dominique lotte

Fui andar no calçadão como de hábito, aos domingos, pensei encontrá-lo, ainda o desejava tanto, o filho da mãe enfiou dentro de mim um desejo incontrolável, o vírus do tesão, por ele, somente ele. Não deu em nada, o danado com certeza tomando chope no Bracarense, esbravejando ao lado de outros iguais, o assunto futebol, Copa do Mundo no ar. Nunca mulher, só futebol. Mulher, apenas um apêndice frouxo como a pica dele. Conheci-o na festa do centenário do Botafogo, na sede da General Severiano, levada pelos primos e primas, botafoguenses de carteirinha. Miguel sentou-se em nossa mesa, convidado por Raul, um dos meus primos. Apresentações de praxe e ele ao meu lado, um cara bem apessoado, já entrado nos anos, em torno dos 40, eu sendo uma gata de 18, não ia dar em nada, né? Pois deu, levou-me pra pista de dança, a orquestra numa salsa endiabrada. Pensam que ele encabulou? Negativo, deu um show, filho da mãe, desejei-o na hora, eu adorava dança e ele era o máximo. De dança em dança, acabamos no apartamento dele. Pensam que deu naquilo? Negativo de novo, mas aquele negativo de doer, num monólogo de encher o saco de qualquer xoxota, desandou a falar sobre sua grande paixão pelo Botafogo, chegou a cantar o hino, contou a história toda, de fio a pavio, mostrou fotos dele com a camisa preto e branco, a estrela no peito, fora jogador juvenil, campeão! campeão! gritava, até ficar quase apopléctico, eu queria me mandar, mas não dava, não conseguia interrompê-lo, ninguém conseguiria. Quase à meia-noite meia, em ponto, ele calou-se e, finalmente, deu-me um drinque, deixou-me fumar um cigarro e levou-me pra cama, bom dançarino, péssimo amante, lembrei-me do meu pai que dizia: "no mal fodedor até os colhões atrapalham". Com ele até o pau atrapalhava. Pra encurtar o papo: continuei desejando-o, entretanto, porque me levava pra dançar, era bom demais. Ficamos assim: Botafogo, dança e péssima transa. Levou-me ao Maracanã, até ao Caio Martins fui, de tanto assistir aos jogos comecei a gostar de futebol, de tanto ver a camisa com a estrela solitária, virei botafoguense. Uma noite me deu de presente uma camisa, vesti-a e ele enlouqueceu, arrastou-me pra cama e - meu Deus! - foi um sexo incrível, quase tão bom como uma salsa endiabrada, fui à loucura. Eu vestia a camisa da estrela solitária e lá vinha transa. Desejo pela bola, paixão pela foda, o maior barato, mas aí eu dei mancada, quis fazer amor sem a maldita camisa, ele brochou. Tentamos mais vezes, eu insistindo em não vestir a camisa. Deu chabu, fiquei sem ele, sem dança, sem gozo, só o Botafogo no coração. Afinal o Botafogo me dera a melhor transa da minha vida. Agora, enquanto ando, procuro por ele, o que eu mais quero na vida é vestir aquela camisa.

 

 

 

 

soneto molejo
 
zi moça quer saber de meu desejo?
tem o pedir nas prece e o sexual
não vou te enganar gosto é de um bom pau
vou pra que na barraca de badejo?
 
mas quando não é dia de molejo
tem hora que imagino a paz mundial
desejando meu próprio funeral
com rabeca e tambor de realejo
 
quero-quero é que sabe meus pidido
as prece de oração depois da missa
mas tié-sangue é que sopra em meus ouvido
 
sem reza ou feira eu rasgo uma catiça
pois feitiço riscado dolorido
no fundo dentro escuro é o que me atiça

 

 

3 poemas
jane sprenger bodnar
 

*

 

o desejo desenha

 

cascas de laranja
são serpentes

 

sobre a mesa

 

 

 

 

*

 

o ar
passa pelo buraco da fechadura
leva meu olhar

 

 

 

 

 

presença

 

tontos riachos
escorrendo lentamente

 

enchente
de vapores na vidraça

 

dedos navegarão
uma barca em coração

 

 

 

 

 

 

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