edição 6 | maio de 2006
liberdade

 

esperando godot 
adelaide do julinho

— Pela última vez, filhinha: quem é o pai?
Não sei, mãe, tava escuro.

 

o viajante
adriana oliveira

Viajar pela internet virou o meu passatempo preferido depois do acidente. Meu próximo destino é a Buenos Aires dos cafés, dos tangos e do Boca Juniors. Eu sempre quis conhecer a famosa Bombonera e, se possível, ver o meu time vencer o Boca em seu próprio estádio.

Animado com essa idéia vou comprar as passagens. Encontro ótimas promoções nos sites das companhias aéreas. Origem: São Paulo. Destino: Buenos Aires. Ida e volta. De trinta de outubro a três de novembro, cinco dias no total. Escolho o assento perto do corredor, para poder esticar bem as pernas. Quem sabe não tenho sorte e senta uma argentina peituda ao meu lado. Sempre me dei muito bem com as mulheres, embora as argentinas sejam quase tão arrogantes quanto os machos da mesma espécie.

Fico na dúvida se escolho um hotel no centro ou em algum dos charmosos bairros da cidade: Recolheta, Palermo Viejo ou o interessante Puerto Madero. Opto por um apart hotel em Palermo, pois ouvi dizer que a vida noturna portenha, nesse bairro, é muito agitada.

Resolvo então sair por um tour pela cidade e começo pelas ruas próximas ao meu hotel. É uma região com muitos parques e monumentos, sem falar nos bares, restaurantes e lojas que funcionam em casas restauradas. Reduto de artistas, Palermo Viejo é conhecido também como Palermo Soho, pela cara "cult" do lugar. Em um café, vejo uma famosa artista brasileira de televisão, cujo nome não consigo lembrar. Está acompanhada de um homem bem mais jovem. Ela não era casada com um escritor famoso? São os contras da profissão. Enquanto nós, escritores, vivemos por muito tempo em um mundo ficcional, nossas mulheres enfeitam as nossas cabeças com artigos importados.

Por isso, prefiro a solidão.

Fiquei cansado do passeio. Amanhã alugo um carro.

Dourado, quatro portas, ar condicionado, cd, kilometragem livre. Quarenta dólares a diária. É esse. Pelo design da página, deve ser uma locadora de confiança. Digito o número do meu cartão de crédito e está feita a transação. Só falta o mapa da cidade. Mas isso é fácil de se conseguir. Motorizado, em pouco tempo, vou conhecer os principais pontos turísticos de Buenos Aires.

Vou direto para La Boca, mais especificamente, para o estádio. Está vazio, apenas alguns turistas, como eu, sentados nas arquibancadas, imaginando o seu time do coração fazendo muitos gols na equipe da casa. E, já que é para sonhar, quero toda a seleção brasileira, arrasando na Bombonera. Isso é que é gol. Pedala. Que beleza de escanteio. Acabem com eles. Seis a zero. Termina o jogo e vou fazer compras na lojinha. Não posso voltar para o Brasil sem uma camisa para o Julinho, meu vizinho de oito anos, que é quase tão fanático por futebol quanto eu.

Já fui na Bombonera? E agora? Ainda tenho três dias. É meio chato viajar sozinho. Eu deveria ter escolhido um lugar mais exótico, com esportes, turismo de aventura ou um desses pacotes para solteiros, onde o foco é conhecer pessoas.

Agora, o bom de viajar pela Internet é que, a qualquer momento, podemos voltar para casa. E, sem pagar nenhuma taxa extra.

Vou trocar a cadeira de rodas pela cama. E a Internet, pela televisão.

 

 

 

 

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