edição 5
| abril de 2006
10 poemas rouge se
o poema assalta
o cinza de
surpresa a cor
[neutra] explode
em outra à
queima-roupa vermelho-feel-me abala na
crime
scene martírio ao
alvo o poema
em punho tem
dois tons tirantes
ao cinza : um saco
à luz do dia outro
aponto em
noites frias de
chuva [pl]ácida há
uma mistura de ambos -
tendendo ao chumbo - quando
a palavra [a ponto de bala] nubla
o dedo no gatilho geralmente
essa última -
plúmbea - é
a que trago na agulha e
atiro [certeiro] na
nuca da folha pálida [pelada
de medo] a
virgem ruge espargida
de vermelho chamado encobre
cores que a
brasa abraça e abrevia
em cinzas havia
um poema na
folha em chama há
meus ais nos sinais
de fumaça blue note ouço um blues
a noite tem a nuance do teu
nome portrait nem
tão triste poso
na estante vão-se os dentes
I'm sad again happy hour danúbio azul
azul-farne
divagando
bastaria
teu
corpo ondulando de
encontro a
minha loucura seria
íntimo-blue o
tom da pintura dessa
hora nua : vestida
de vaga brancura
alma Leu
na revista sobre a palestra do antropólogo - os modos do povo Tixõpim.
Prestou atenção na foto dele e fisgou-se na cor dos olhos. Hum. Sensação
estranha, indo e vindo, que não a deixou continuar. Por isso, despediu-se.
E, dia seguinte, seguiu o instinto mutante. Alma foi lá na universidade
e se inscreveu como ouvinte. Depois, entregou-se à bibliografia básica,
viajou, consultou antigos namorados. Preparou-se. Tanto leu, que descobriu
afinidades drásticas com os modos meio sem-modos dos Tixõpim. Quase podia ouvir os cantos,
sentir o cheiro das comidas, do úmido das casas de palha pajuçara,
os tremores dos ritos sangrentos de passagem. Os Tixõpim, desconhecidos,
haviam atravessado a história do país e o tempo, nômades e inextinguíveis.
Desembarcavam agora cúmplices e assemelhados nas fantasias dela, que
lhes percebia nitidamente o segredo. Segredo publicado e que era
o tema mesmo de que ia tratar o professor. Sobreviveram mais e melhor
os Tixõpim camaleônicos, tomando e vestindo doutras tribos os traços
todos, físicos e místicos, as dores e as vontades, o corte de cabelo
e até os ódios que não eram os seus. A ponto de, em alguns casos,
parecer que em toda a parte tudo foi Tixõpim; e a ponto de não se
saber mais o que era, realmente, Tixõpim. Pode ser que esse dom de
se desdobrar, infelizmente, também tenha facilitado o trabalho dos
colonizadores, que sucediam os Tixõpim nas ocupações, e completavam
a desfiguração. Mas isso - faça-se justiça - os Tixõpim não podiam
prever, e Alminha também não viu. Viu o camaleão, viu a imagem dele
ao seu lado, espelhada na poça da praça, e achou, de novo, que Tixõpim
era ela. No fim da apresentação, abaixou
os olhos, como se fosse de vergonha - mas não tinha vergonha de nada.
A bata rendada colava de suor, e a pupila de virgem Tixõpim oferecia-se
pronta a ser catequisada. O professor tomou um susto, mas relativizou.
Ela deu naquela tarde mesmo.
Perdidamente apaixonada. Tudo em nome da ciência e das possibilidades
infinitas da verdade, encontravam-se depois dos jantares acadêmicos,
para reescrever os tabus.
É verdade que ele mentia.
E tinha uns exageros de vaidade, que ela tolerava solidária. Também
abusava um pouco das generosidades dela. "Alminha, empresta o carro?".
Ela emprestava, dias a fio, nem perguntava para quê. Sabia que essa
prestança incomum causava dependência. Queria ele viciado - e carregou
nos molhos especiais, óleos aromáticos, hortênsias, e muitas sugestões
inteligentes para as pesquisas de campo dele. Os amigos se pasmavam. Alma
tinha jeito de menina, a cada ano mais jovem, num repertório sem fronteiras,
e com a ambição esganada do artista, eventualmente perdoável. Arrojada
nos riscos, sucumbia vez em quando na lama, aquele marinho pegajoso
das madrugadas, liquidificador dos matizes fortes. Lance totalmente
Tixõpim. Avisava, com ar grave: "Vou me jogar". E se jogava. Saía
de lá resgatada por gente capaz de perceber, além das pernas bonitas,
uma certa atitude essencial. Só que, pela noite, acontecia
muito da Alma olhar outra vez uma superfície reflexiva e, pronto,
era um nada para se confundir, tão sinceramente convencida do que
lhe dizia, nessa hora, algum desses novos amigos. Impossível distinguir
quem falava. Pois que era exatamente isso mesmo que ela sentia, que
ela queria dizer, que ela faria. Para não deixar dúvidas de que pensavam
a mesma coisa, misturavam o resto. Os sentidos do mundo eram tantos,
e ela podia senti-los todos. Tudo sem dia seguinte. Lavou,
passou, estava outra. Acordava satisfeita com a vida, e num degrau
a mais da admiração que a tomava, por si mesma. Da esbórnia, sobravam
livros de tiragens limitadas, presentes personalizados, menções honrosas
na internet, projetos futuros e um extenso caderno de telefones e
e-mails. Alma construía uma rede
de encantados, livres eles, e ela também, para as horas de precisão. O
professor era em linha reta. Não demorou muito, teve medo daqueles
modos, vendo espapaçar o mundo; muita passoca amor moída. E Alminha
não pôde concluir a proposta do doutorado sobre os Tixõpim. Consolou-se,
contudo, com uma rara coleção de artefatos originais, agora dispostos
na prateleira da sala, e com os agradecimentos especiais que ele fez
a ela no seu último livro. "À Alma e aos seus olhos furta-cor, que
os de espírito cordial adoram sem julgar". E isso basta pra ela.
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rouge Vestido
turco de lantejoulas. Batom carmim. Esmalte Revlon. Um
coração vermelho de cristal Swarovksi. Bloody Mary Queen of the Scots.
In my end is my begginning.
O
planeta Marte, visto a olho nu. Bélica. A
paixão sua pedra de toque: dois rubis indianos
presos nas orelhas, um cinturão de diamantes - também
a frieza é humana. Não há visão sem fogo, é
incandescente a fúria, a labareda. A cor púrpura, império. Nobreza. Veludo. Um buquê de magnólias.
herança
de amores negros nuvens
góticas de um negro estranho em
dimensões opostas colidiram da explosão cobriu o escuro
um raio exótico engravidado
à luz doou estrela
dançarina de estética diáfana e mente
libertina musa cor de cinza
prateado guardiã eterna de um amor
caótico moderno [e apaixonado Eliana
Mora nasceu no Rio de
Janeiro. Formou-se na "Arte de Dizer" no Curso Olavo Bilac aos 17 anos.
Jornalista, trabalhou em revista, rádio, televisão, e faz assessoria de
imprensa. Está no movimento modernista Poetrix, cuja primeira
antologia já foi editada. E no grupo Escritas, com duas
antologias. Com 152 poemas do período entre 1999 e 2002, Mar e
Jardim é seu livro de estréia, editado em
2003.
8 poemas as uvas estão verdes arrumou amá-la depois desistiu munique é fria e sobretudo ele não tem almodóvar outubro outubra-me e sempre de assalto vestido encarnado sapatos vermelhos a rosa que dança aberta no asfalto tem cheiro de carne tem jeito de chaga o tango penetra-a sangra-a cruel amor ao primeiro eclipse entre mim e o sol parou um óvni piscou o farol pensei comigo não tenho íntimos no paraíso desceu um verde beijou-me a boca falou julieta tremi-me inteira mordi-lhe a orelha gemi r-o-m-e-u e desvesti-me atração são joão tão bonito naquela bandeira e eu tão aflita entrei na fogueira a vida era boa tirei tal aproveito subi no seu colo deitei no seu leito queria um beijo primeiro da fila dos seus olhos verdes bebi clorofila agora moreno não sei de mais nada paixão é veneno imensidão no azul a liberdade de voar como se queira mudar de forma lugar recortar bordas e beiras
trovejar soltar faísca permitir-se o arco-íris
o sol as nuvens as pipas
os aviões pára-quedas as asas deltas delícias a
cor azul-escura do cobalto pode ser bomba pode ser míssil pode ser íngua debaixo da língua se houver tempo registre-se o fato se não o houver faça-se o possível no verso na rima no estribilho pode ser bomba pode ser míssil pode ser íngua debaixo da língua engula-se a saliva e o desatino é um deus-nos-acuda quem lá no céu esparrama
as nuvens depois do almoço
semeia no azul barroco flocos e flores brancas
tem santo pra todo lado
tem anjo a fazer bagunça
a espalhar no assoalho algodão doce e açúcar menino deus dá risada entre as penas e plumas achados e perdidos Líria Porto. Professora, mineira, vive em Belo Horizonte. Inédita, tem poemas publicados no Cronópios e na Germina - Revista de Literatura e Arte.
de
veludo e sangue Porque declino do seu amor,
o véu das torres me invade. Já engoli espermas. Já voei
muito alto. Aos santuários de
meninos-lodos e meninas-ostras. Neste hemisfério, o tempo é
vermelho. A fé: andrógina. A
inocência: anônima. O amante: cego e
corcunda. O meu leite rega a flor que o inimigo trouxe. Aqui não há
solidão há bosques de
lágrimas unicórnios reunidos para
falar de amor aranhas flutuando num
mar de veludo e sangue.
Marize Castro (1962), poeta, jornalista, autora dos livros Esperado ouro (2005), Poço. Festim. Mosaico. (1996), Rito (1993) e Marrons Crepons Marfins (1984). Tem textos publicados em revistas nacionais e internacionais, como as norte-americanas International Poetry Review e The American Voice. No Brasil, a poeta publicou em jornais e revistas como Exu (BA), Nicolau (PR), O Galo (RN), Estado de São Paulo (SP), Jornal do Brasil (RJ) e Poesia Sempre (RJ). Sobre sua poesia disse Haroldo de Campos: "Em seus versos há algo de fundamental, algo entre o belo e o verum, a verdade em beleza, um cuidado especial com a síntese, um encontro com a poesia".
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