ai, que cafona
priscila lira
para Florbela Espanca, que cafona, hahaha
Às vezes eu tenho a impressão de que um deus me roubou as palavras da boca. Daí corro procurando elas, nos livros, olhos, pele, mundo. Sempre esse movimento, correndo de um lado pro outro, procurando peças que caíram no primeiro salto e se espalharam, deixando buracos aqui.
É legal que eu vou preenchendo esses espaços e me acho mais bonita. Mas acho que o segredo tá no movimento (seeensual, o movimento é sensual, o movimento é sexy!). Ao sair pulando de galho em galho e bisbilhotando os cantos, colecionando meus pedaços, invento um amor por mim que é, na verdade, um amor pelo... outro?mundo?desconhecido?
Talvez o amor seja uma curadoria do desconhecido. Mas eu... agora não sei mais quem é quem. Agora temo o que me habita.
O movimento ````````````````````````````````````````````````````````````````````````````````````````````````
`````````````````````````e o
amor
``````````````````````````````````````````````````````````````````````````````
o movimento gera amor o amor é uma curadoria do desconhecido
o amor não é uma poça d'água
o amor não sei quem é mais quem
o amor é coisa das nossas cabeças que nem o mundo
e atravessa meus buracos
e me apavora e me assusta e me move por aí
é como aquela árvore que esteve em cima dos meus olhos sob o sol. Ali estão seus galhos e folhas, opacos e escuros e o frio. De repente vem o vento e ela dança e tremelica e depois o sol que penetra seus espaços e deixa um pedacinho azul aqui, outro dourado ali e que linda diva árvore. Movimento atravessado. Ou como o Jadson sentado comigo na grama se despedindo com aqueles olhos negros onde não atravessa um raio de sol, perdido na lama do seu dentro, me olhando fundo e usando toda a força da garganta para gaguejar 485867372e1902495785756956475435439854u593 532085439755465248953453453te458954984538954389a4398534869565469846464mo,
ao que
eu faço cara de deboche e confirmo a recíproca com azia no peito pensando, eu consegui, Jadson! Por enquanto, me perdoa. Criatura! Não dá, entende? Não dá... Tá tudo escuro e tu aí lightning striking agaaain, lalala, lalala, lala. Klaus Nomi, essa bicha arrasa.
Olha você, não se ofenda com meu corpo, não se ofenda (tá querendo que beijem granadas, meu amô?), nem com a minha crença cega nessa estranha e atrofiada instituição chamada arte (ó, ana c., dai-me forças e cinismo para carregar essa bomba até que ela exploda de uma vez por todas sobre todos). Dói essa correspondência que nunca se toca. Dói encontrar o amor, um morto-vivo, ou pior, um holograma nesse lixão. Outono: Meu corpo escorre pelos galhos. O que sobra? Um galpão novo com telas lisinhas e vazias, ao fundo, a paisagem de ontem.
— Experimento amor parte 1: Misturar, brilhar, queimar, sangrar
— Experimento amor parte 2: Ir pela sombra, decantar, mover, solar
Suponhamos que seja tudo uma questão de saber manipular a luz!
...

poema
priscila merizzio
Drama I
Aquele amor que chega de fininho como uma
manada de elefantes procurando abrigo no deserto.
*
Ele devorou meu coração com talheres de prata,
Ver-me fulgurante é sofisma.
*
Mais alguns dias e meu objetivo de repor
as dicroicas do crânio estará executado.
*
Desfiro o golpe, o xeque-mate, na última gota de vinho de seu copo.
*
Na nudez das florestas
desabotoo meus emaranhados; e adormeço sob a gadeia
da figueira mais expressiva.
*
Te desejo como uma beata delirante.
Você me rejeita: na mão direita meu retrato,
na esquerda, o bilhete de loteria.
*
Nas montanhas de seu peito, sua clavícula me ama num romantismo alemão.
*
Não engole esse doce português, que dentro dele há estricnina.
As espumas sairão de sua boca de beira de praia; você convulsionará: poeta.
*
Nós sabemos,
é um fardo sermos inesquecíveis.
Drama II
A histeria do monóxido de carbono e a melancolia do magma
espantam os pássaros com tiros de espingarda.
Com tiros de espingarda.
*
Não me entrego mais de bandeja. Muitos escondem uma faca degoladora
no bolso da japona, e levam framboesas nas mãos.
*
Aos que me perseguem, a praga:
"Que teu pai morra queimado. E teus queridos
despertem a ira de indivíduos como tu".
*
Pois meu teto é de vitral caleidoscópico.
*
Me causa estranhamento e fascínio os cães com olhos de gente.
O quanto abdiquei, para estar com vermes
que se acham reis.
O ato derradeiro
Coração que ladra morde e morre; os dentes
caindo da gengiva podre.
*
Um corpo abandonado à própria sorte em carne viva, sem a vida.
*
Já estamos mortos.