edição 50 | abril de 2016
o leite derramado | último pedido | onde me arrancaram todos os pés

 

3 poemas

alexandra vieira de almeida

 

 

nenhuma dor

 

 

Na árvore de esqueletos

paginada por folhas secas

a morte é a última trégua para a dor

Preciso enriquecer os bosques de frutos

desdizer a aurora distante da dor

A vida é um mistério da felicidade

acendendo uma vela parida pelo sol

Nenhuma dor é possível para quem se entrega à vida

vida que vagueia na equação de zeros

A silenciosa entrega para a insônia dos anos

que detesta o acender dos copos dos bêbedos

O corte se cicatriza pelo verbo, pela palavra alimentada

sem ser costurada pela fome

Os esqueletos descem daquela árvore do bem e do mal

negam o antagonismo da luz e da sombra

e se carnalizam pelo néctar da vivência

Mas a vivência não é experienciar o vazio

a serena escada que corta o limite entre a terra e o céu?

A dor é um corte no fruto saboroso

é apodrecer as coisas belas do instante

Os insights são os desejos desacostumados dos séculos

o esquecimento das noites e dos dias

o desvestir de roupas amarrotadas pela experiência

Quero desaprender o verbo noturno

a solaridade das metáforas mais belas

Quero acordar de todas as memórias

e deixá-las como pesadelos secos de uma mente estrangeira

Amanhã não será mais amanhã, mas o hoje que desfaz a dor em segredo

E nem o prazer os satisfazem

pois o oposto é apenas um velho encardido, um irmão coxo

Os opostos não se atraem e nem se renegam

simplesmente não existem como a dor do féretro.

 

 

 

 

a morte do centauro

 

 

No lago, um golpe de machado

Feito de céu e terra

ele se fragmenta em dois

fazendo suas partes desiguais

voltarem aos seus originais habitats

Metade água, metade fogo

o homem tenta construir em vão um centauro de argila

querendo imitar a sua complacência de animal espiritual

Sabedoria dos anos, em sua natureza plena

derrama o sangue vivo dos ensinamentos

acumulados como livros de mistérios

Em seu último gemido, deixa o grito se escoar pelas águas

levando da constância o caminho para o vazio

De terra, de céu, de fogo e de água

os homens e os centauros se igualam no seu vazio inaugural

Após aquela ceia de morte, a vida e a morte se igualam

Não há nada que limpe aquela mancha na terra

Só resta ao homem ultrapassar o sangue e a própria morte

que o centauro deixara ali como lembrança de vida.

 

 

 

 

dos utensílios ocos

 

 

Percorro aqueles recipientes

nos cantos da casa

escondidos das fumaças do mundo

Por dentro, ocos cemitérios, sem corpos ou almas

vazios que não aceitam o líquido de nossa queda

em matéria divinamente petrificada

pela maldita argúcia do tempo

Quebro aqueles utensílios ocos, na sua morte estúpida

O esvaziamento do vazio me inebria

O vinho raro não consegue seu espaço nos vasos bem talhados

Um cão late naquela noite de estrelas pálidas

Oco é o delírio de não vagar pelo mundo como fantasma das horas

Ultrapassando as rédeas estrangeiras

o homem está só na sua quietude silenciosa

Os utensílios ocos nem servem mais para suas meditações

só a dilatação das esperas o contagia

sem contar os minutos que derrotam o vazio.

 

 

Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, ensaísta e resenhista. É professora da SEEDUC e tutora de ensino superior à distância na UFF. Tem Doutorado em Literatura Comparada (UERJ). Tem quatro livros de poemas publicados: 40 poemas, Painel (Multifoco, 2011), Oferta (Scortecci, 2014) e Dormindo no verbo (Penalux, 2016). Publica constantemente em antologias, revistas, jornais, alternativos e sites por todo Brasil e também no exterior. Tem um blogue de literatura: www.malabarismospoeticos.blogspot.com.br.

 

 

 

 

 

 

onde [où – trad. flávia de carvalho bretas]

anna caye

 

 

onde me arrancaram todos os pés

sob o pretexto da sobrevivência

caíram-me as falas, os argumentos

nasceram esses braços no lugar

(e essa poda diária nos dedos).

 

onde me arrancaram todas que fui

é onde pude ser outra e uma a mais

arrastando casas com meus cabelos

trazendo nas corcovas a reserva

(de bocas secas, amargas sem beijo).

 

onde me arrancaram todos os brotos

cresceram-me essas crostas de dragão

esses espinhos como que armaduras

e essas rosas secretas e feias

(roubadas num pesadelo de shopping).

 

onde me arrancaram todas as odes

páginas rasuradas, as melhores

a mulher calcinada no rescaldo

ainda ativa em óperas insones

(os incêndios das coisas como são).

 

onde mesmo a amputação me arrancaram

próteses c'as quais já me acostumei

as versões da história ganhando a história

as botas dos homens sujos de novo

(mas um desprezo sutil aprendi).

 

onde me arrancaram todos os nós

sobram os nodos da garganta e dos seios

soluços breves contra o travesseiro

e aquele aceno breve educado

(pelo que já não sinto por você).

 

 

Anna Caye é o pseudônimo poético de Amelie Blanche McKinney, escritora francesa (Le Pont Mirabeu, 1952) autora de Après la pluie (Gallimard Folio, 1983) livro sobre os movimentos de maio de 1968 em Paris. Todos os poemas até hoje produzidos por Amelie são creditados a Anna Caye, uma espécie de alter ego lírico da autora.

 

 

 

 

 

 

3 poemas

marcelina kowalczyk dos santos

 

 

dez coisas que marcelina kowalczyk dos santos fazia todos os dias antes de morrer

 

 

Vasculhava os horóscopos antigos em busca de pelo menos uma previsão errada. Escrevia pelo menos uma carta a Cauby Peixoto sem nunca repetir o tratamento. Esquecia onde deixava as roupas para usar depois do banho e andava nua pela casa. Descascava pêssegos com as unhas dos dedos anelares. Olhava as latas sem rótulo e sorteava às cegas o que comer. Imitava olhos de gato no espelho e latia, para treinar o cérebro. Empilhava fotos antigas no fundo do formigueiro de estimação. Ensaiava frases sem nenhum sentido. Fazia caras que imitavam emoções de memória. Fingia-se de louca.

 

 

 

 

a última noite de amor de marcelina kowalczyk dos santos

 

 

quero ouvir meu cauby

mas pode ser seu glenn miller

quero beber vermute

mas pode ser guaraná

 

não me chame de polaca

 

quero que você os ponha para dormir

mas pode me deixar esquecê-los?

quero as frutas doces e as promessas

mas eu aguento até as mentiras

 

não me chame de polaca

 

essa ainda é sua melhor figura?

mas pode tentar melhorar?

quero um homem de verdade

mas pode ser você

 

não me chame de polac...

 

 

 

 

anotações póstumas do fantasma marcelina kowalczyk dos santos

 

 

cada pedaço meu espalhado

o coração já estava espatifado mesmo

as memórias cheias de inchaços

meu corpo dilacerado adentro

 

lembranças infames circulando

nas veias das pernas

e dos braços

o amontoado de velas no chão

 

essa minha casa

sempre foi um precipício

é onde sempre deixei escondidos

todos os meus desperdícios

 

os dias sempre tão longos

e as tardes cheias de calma e sossego

despindo-me na alfombra

vibravam-me sem desespero

 

para os outros eu era

quem guardava palavras somente

até minha voz ser guardada

debaixo de um travesseiro

 

 

2

 

se voltarei em eventuais aparições?

o que teria a ganhar com isso?

melhor sumir para sempre 

existir é bem mais difícil

 

a casa sem mim tem espaços mais amplos

do que antes não percorrera

(o ficus já adentrou o algibe profundo

onde ele jamais coubera?)

 

os quartos nos corredores

estão cheios de lembranças só minhas

ninguém pode entender de verdade

o que era estar aqui e sozinha

 

há uma parte de morrer que ninguém sabe

porque daqui nunca alguém quis voltar

somente por ser invocada a dizer

entendi porque me quiseram matar

 

 

3

 

onde deixei o meu terço?

que fim levaram, da janela, os trilhos?

a estrada da qual desci nesse lugar

me levaria de volta a um princípio?

 

— é uma bobagem imensa pensar assim

eu sei, quem não sabe?

agora não mais ficarei

nem que me implorem filhos ou netos

 

afinal onde eles foram parar?

se era para não verem

como eu estava até ontem

agora já podem voltar

 

 

4

 

que tomem conta da horta nos fundos do pátio

que o mato tenta abocanhar de uma vez

mas como não posso mais escrever

a quem me ouve eu ainda queria dizer:

 

depois já podem ir esquecendo de mim

porque não tenho pressa alguma em saber

das suas vidas o que virá

ou não a acontecer

 

 

5

 

mas nada de arrastar de correntes

eu sempre fui a mais velha

— que eu ainda me lembre —

de todos os meus parentes

 

 

6

 

de agora em diante, acertemos,

deixem tudo bem diferente

e eu não lhes deixo meus danos

 

 

7

 

saibam que esse que me matou e vocês amam

foi mesmo um belo de um salafrário

 

 

8

 

desejo a vocês todos, de vida,

no mínimo uns duzentos anos

 

 

9

 

agora eu já vou

 

 

Marcelina Kowalczyk dos Santos nasceu e morreu em União da Vitória, Paraná. Seus escritos esparsos foram recolhidos pelos seus descendentes, redigidos no lado interno de pacotes de farinha de trigo e rótulos de compotas, todos mantidos dentro de uma pequena caixa de metal guardada por centenas de formigas operárias.

 

 

 


©dara scully

 

 

 

3 poemas

nayara fernandes

 

 

instantâneo milagre

 

 

"não tem mal nem maldição"

é veneno sem bula

não tem cura nem cunho

é sereno tempestuoso

casto da lágrima miserável

castigo do leite derramado

travestido de efemeridade

teu peito é ponta de lança

som do osso mordendo a vida

teu peito é porto de vingança

ponta da faca trovando o abismo

o destino o desígnio o arbítrio

a nada se entrega

a tudo se enfrenta

de luzir poroso

de mirar rasante

teus olhos carregam cicatrizes acuradas

feridas consumadas pela consciência do não-ser

sem cara alma ou identidade

eis a mentira a verdade o suspense

o gosto do gosto que ninguém explica

eis o instantâneo milagre do suspiro

o imediato agora que ninguém percebe.

 

 

 

 

tempo há

 

 

na boca dos olhos

no peito dos sonhos

nos poros do estômago

bandida a pele saca o desejo

armado o desejo atiça o afeto

ouriçado o afeto despe a vontade

movido contraditoriamente

todo o tudo trova o poema

o verso o verbo o veneno

torpe razão que deleita o inconsciente

denuncia a carne e mente o sentimento

ao fim resta-nos o último pedido:

ama-me há tempo — é tempo ainda!

 

 

 

 

o bote

 

 

a vida é um corte

que sempre sangra

e não nos mata

entre os punhos ocos os socos

os ócios os pulsos e os ossos

no tamborilar dos silêncios

onde o corpo se põe e se opõe

prenhe de avessos

prenhe de inércias

a vida é uma eterna morte

doer, dói invariavelmente

feito faca sem gume

o tempo mastiga a memória

o vazio a angústia

onde arrancaram de mim

todos os pés os caules as raízes

amputado do próprio corpo

deixaram-me o coração na mão

à deriva o que me salva é a poesia

 

 

Nayara Fernandes (Teresina/PI, 1988). É autora do poema "Asas de Pedra", lançado em novembro de 2015 na coletânea Quebras — uma viagem literária pelo Brasil. Publicou nas revistas Mallarmargens e The São Paulo Times. Mais: nayarafernandes.wordpress.com.

 

 

 

 

 

 

2 poemas

pilar bu

 

 

prelúdio

 

 

antes que morra

preciso te contar

um segredo:

não há mistério

não há paraíso

apenas o corpo

embolorado

alimentando

vermes

 

 

 

 

dobras

 

 

devo dizer que

perdi uns quilos

hoje

perdi

todos os quilos

do meu corpo

olhei no espelho

retalhei a barriga

quem sabe um dia

olharão pra barriga

e não haverá

cicatriz

retalho

todos os dias

pedaços

do meu corpo

anormal

deformado

desagradável

oco

 

 

Pilar Bu (Rio de janeiro/RJ, 1983) é poeta, mestranda em literatura, triplo-fogo do zodíaco, feminista e assumidamente viciada em carnaval. Mora em Goiânia, na Toca dos Vampiros, com seus gatos. É co-criadora do coletivo Minaescriba e mediadora do Leia Mulheres em Goiânia. Já publicou em algumas revistas eletrônicas e lança seu primeiro livro, Ultraviolenta, em 2016. Escreve o blogue https://ultrapilarbu.wordpress.com.

 

 

 


©dara scully

 

 

 

4 poemas

yasmin nigri

 

 

GT

 

 

1

 

Fiquei visivelmente sem graça quando ele disse acreditar que a língua tem pelo menos umas 4 ou 5 funções diferentes

 

 

2

 

acho que ficou no meio do caminho né, não chegou a ser deselegante, eu acho

 

 

3

 

Escrever um poema enumerando todas as funções da língua que me venham à cabeça

 

 

4

 

Disse que é cansativo não se deixar envolver que é preciso estar presente e ao mesmo tempo atento como quem escuta sons ao invés de palavras sem com isso perder de vista significados e não prestei mais atenção ao que ele dizia tentando ouvir os sons que saíam daquela boca tão pequena dentinhos firmes me perdi imaginando como seria beijar a boquinha que emite sons tão próprios chegar tão perto quanto possível da sua laringe garganta e todo aparato que se revela naqueles exatos sons gestos e não outros me detive olhos acompanhando o movimento de seus dentinhos os vestígios de sua língua tão proporcional à sua boquinha queria o gosto da sua saliva e pensei será que beija só com os lábios e guarda a língua me parece tão pequena a linguinha será que precisaria caçá-la ou será que para minha surpresa faria movimentos circulares em torno da minha

 

 

5

 

não curto envolvimento sexual com quem acabou de sair de uma relação mas podemos ser amigos só pra ser bem honesta com você caso você esteja querendo uns beijos também

 

 

6

 

Já imaginou como é passar a vida assistindo filmes sem legenda ver discos voadores passando por cima do cristo redentor cinco cariocas se unindo para salvar o mundo em naves espaciais decolando do pão de açúcar monstros escalando o edifício central zumbis arrastando suas tripas pelo aterro do flamengo isso deve gerar sintomas isso com certeza gera sintomas a princípio não captei o estranhamento até que me atropelam as imagens e penso caramba so many ways to be fucked up

 

 

7

 

Eu disse apagaram Bento Rodrigues do mapa você viu apagaram mesmo tiraram as coordenadas do mapa o nome da cidade ele complementou mas antes apagaram Bento Rodrigues fora do mapa mais estranho do que uma cidade desaparecer é uma cidade ser engolida por outra cidade foi assim com o rio na época da expansão várias cidades foram engolidas o que pra mim é mais estranho do que desaparecerem mas eu não estive presente em nenhum desses momentos eu vi Bento Rodrigues sumir eu vivi Bento Rodrigues sumir ele diz te entendo

 

 

8

 

Dorme aqui amanhã

Ele disse amanhã de manhã te aviso certinho

Nenhuma mensagem pela manhã

Nem pela tarde

Menos ainda à noite

Ou nas outras 35 noites seguintes

 

 

9

 

Se quisesse agradá-lo colocaria o vinho que ele comprou na geladeira mas ele não vai mais caminhar entre a geladeira e o quarto ele não vai mais levar o cigarro à boca enquanto faz confissões à cama e sorri pra mim

 

 

10

 

O término não precisa ser fiel ao término além do mais o segundo dia do ano se inicia e prometi a mim mesma que esse seria o ano que nenhum homem me chatearia e como sair chateada com um poema debaixo do braço não é mesmo

 

 

11

 

A não ser que esteja muito calor

 

 

 

 

*

 

 

Escrevo para te dizer que não tem acontecido nada e passo os dias tomando café ao som do Estrangeiro e tenho procurado emprego e não recebido resposta e tenho prorrogado comprar uma garrafa térmica porque derrubei a antiga e faço aqui uma pequena ressalva: tenho tomado café frio. Quem virá com a nova brisa que penetra pelas frestas do meu ninho quem insiste em anunciar-se no desejo? Toda semana decido ir diante da tua árvore para conversarmos a sós e lembro que tal árvore não existe apenas em algum poema que li e pensei que seria útil se você também tivesse uma e eu pudesse usar uns tempos verbais antiquados pra falar da tua árvore e como me prostro diante do teu signo e sinto tua vida pulsando na sola dos pés. Escrevo pela última vez para anunciar o desejo que me mandes um mapa ou pergaminho falso para que o tempo aqui passe menos vagaroso e tenha algo para me entreter, tal como Sísifo.

 

 

 

 

CID 10 - S91.3

 

 

Em delírio fui copo

À espera do teu juízo

Fui esquecida

Largada no quarto

Durante sua festa

Virei cinzeiro

Estive imóvel e atenta

À espera do seu chute

Cortei seu pé

Fiz sangrar

Causei toda sorte de infortúnios

Da dor

Ao tétano

Nem cruzes ou credos puderam dar cabo

Até seu pé ser amputado

 

 

 

 

a princípio

 

 

1.

 

Devido afins tipo

Rpg rock and roll fast food feito em casa

Bateu aquela impressão

Que já o conhecia

 

 

2.

 

Afins lembra um leitor que

Esses dias me abordou dizendo

— Gostei sobremaneira dos seus poemas

Ri e respondi

— Sobremaneira é palavra finíssima

 

 

3.

 

Veio me encontrar vestido de terno

Me deu uma baita dor de barriga

Dessas que percorrem o corpo

Como cantigas de ciganos

 

 

4.

 

Na época vestia casaco mostarda

Calça boca de sino cintura baixa da opção

Saudades desse shape

Nem me importava pagar cofrinho

 

 

5.

 

Fumava um cigarro atrás do outro

 

 Aliás meu relacionamento mais estável

Até hoje é com o tabagismo

 

 

6.

 

Vinte e seis anos

E me apareceu vestindo blusinha falsificada da Ecko

 

 

7.

 

Comprei muita roupa

Pra ex na Uruguaiana

Torcíamos pra ser caminhão que tombou

E achávamos que ninguém reparava

Porque tinha etiqueta

 

 

8.

 

Nunca fui romântica

Ele veio me reclamar que

Eu não dava a mão pra ele

 

É que minha mão sua muito na verdade

 

 

9.

 

Houvesse uma consciência semelhante à nossa

No animal seguro de si

Os lábios dele se curvaram em posição fecunda

 

Caso buscasse imagens de outro século para descrever

 

 

10.

 

Na fila da lanchonete do shopping

Eu congelei

Esse é o poema

Eu congelei

Fiquei paralisada enquanto ele

Se aproximava

 

 

11.

 

Decerto não uma borboleta

Porém algum outro mais demorado

Bicho sem asas menos delicado

Mais espaçoso mais muito mais patas

Cravando minhas paredes do estômago

 

 

12.

 

Yasmin reage

Não consigo

Ele vai achar que você não retribuiu porque não quer

Vai até ele e faz alguma coisa

 

 

13.

 

A língua inerte

A boca dura

Náusea

vou vomitar

vai até ele

Centopeias me coçando

Dei um passo

 

 

14.

 

Ele nunca mais vai querer sair com você

Aí a língua se moveu

Num movimento meio espasmódico

Rolou o jogo entre línguas

A fila da lanchonete andou

Graças a deus

Nosso pedido saiu

 

 

15.

 

Aquele frio na barriga

Que eu só havia visto em filmes

Até hoje me atordoa

No final pensei                    fudeu

Já amo esse homem

 

 

Yasmin Nigri (1990), carioca, é graduada em filosofia pela Universidade Federal Fluminense, onde atualmente cursa o mestrado na linha de estética e filosofia da arte. Feminista, cofundadora e integrante do coletivo Disk Musa, faz performances e trabalha com produção de conteúdo áudio visual buscando aliar arte a uma atitude política transformadora. O coletivo prepara sua primeira revista de arte e poesia feita só por mulheres para o segundo semestre de 2016. Integra também a Oficina Experimental de Poesia, que acontece toda quarta-feira no Méier. Tem poemas publicados nas revistas Mallarmargens, Escamandro, Germina e Jornal RelevO.

 

 

 

 

 

 

©alvaro gómez

 

» Imagens

 

Dara Scully. 1989. North of Spain.

Photographer, writer, tree.

 

 

«Forest creature, winter child. I like birches and aspen leaves. In my other life, I was a white deer, a fox or a swallow. I've never flown. I drink milk tea and my favourite word is chrysalis. My heart belongs to Chopin and my body to the horses, but I've never ridden any. I read Jaeggy, Nabokov, Duras and Müller. I read because it saves me. Once, I had a black cat. In a parallel life I'm a pianist or ballerina, or maybe a Lewis Carroll little girl. I love poppy fields and blackberries in summer. If I have to choose a sound, I'd say: the wind shaking the branches of the trees. Or rain. I always wear dresses and man shoes. I've written since I was thirteen. I'm afraid of moths. I have six moles in my pale chest».

 

 

 

Dara Scully. 1989. Norte da Espanha.

Fotógrafa, escritora, árvore.

 

 

"Criatura da floresta, filha do inverno. Gosto de bétulas e folhas de álamos. Em outra vida, fui um cervo branco, uma raposa ou uma andorinha. Nunca voei. Gosto de chá com leite e minha palavra favorita é crisálida. Meu coração pertence à Chopin e meu corpo, aos cavalos, mas nunca cavalguei. Eu leio Jaeggy, Nabokov, Duras e Müller. A leitura me salva. Uma vez, tive um gato preto. Em uma vida paralela, sou uma pianista ou bailarina ou então uma das meninas de Lewis Carroll. Amo campos de papoula e amoras no verão. Se tivesse que escolher um som, seria o do vento que balança os galhos das árvores. Ou da chuva. Sempre me visto com vestidos e calço sapatos de homem. Escrevo desde os treze anos. Tenho medo de mariposas. Tenho seis manchas no meu tórax pálido".

 

 

 

 

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