edição 49 | dezembro de 2014
temas:  uma velha canção | o corpo | fim de ano

 

 

6 poemas
difunta correia 


canção perdida

 

 

1.

 

 

Fora da Terra

O sol brilha

Incessante

Na noite

Enegrecidamente

Bela

Escarlate

Escura

 

 

 

2.

 

 

Dentro dela,

Em algum lugar chove

E

Uma

Velha

Canção

Toca

Perdida

Pelos

Anos.

 

 

 

 

UT-I-ML

 

 

1.

 

 

Tudo começa

com

o ríctus

cínico

e

debochado

da

morte;

 

A solércia atrevida

O último vagido

Um ruflar

Estertorado

 

 

 

2.

 

 

A nuvem turva

Se pôs no firmamento

O hausto vem vindo lentamente

Agonizando

O claustro

Delirante

 

A um passo da morte

Recordo-me dos que já morreram.

 

 

 

 

rabecão

 

 

Atrás do Rabecão,

Uma carreata;

 

Na frente,

Os vivos

Correndo

Desesperadamente

Como se não fossem

Uma coisa só.

 

 

 

 

reduto

 

 

O corpo álgido

Repousa

No féretro

Brilhante e telúrico

— Etéreo e imarcescível —

Áureo como o algar.

 

 

 

 

exorcismo

 

 

Para Adriane Garcia

 

 

O último padre que vi

Queria me exorcizar

Seus olhos silenciaram

Minha alma

 

E meu olhar

Aniquilou

o seu espírito

 

Passada a apresentação

Sentamos para conversar

Colocamos uma

Cevada na água benta

E com a cabeça de alho

Cozinhamos uma bruxa

Em sua fogueira.

 

 

 

 

perfídia

 

 

O fim de ano

Coroa

O sepultamento

Autopoiético

E

Antropofágico

De

Uma

Civilização

Esquizo-suicida

 

O fim de ano

Coroa

As promessas

Antípodas

De

Uma

Corja

De

Excomungados;

 

O fim de ano

coroa

o

fim

de

um

ciclo

e

o

pérfido

início

doutro

natimorto.

 

 

3 poemas
heloisa defarge 


perdida na estrada de santos

 

 

a calça jeans surrada

o cheiro de cigarro

até encantavam

mas cantarolar

uma canção do roberto

para transar era demais

 

 

 

 

lições de anatomia

 

 

o menino media o pau

com uma régua

e se gabava do bilau

a gente abanava

o rabinho au, au

 

 

 

 

oferendas

 

 

pular as ondinhas

usar calcinha branca

jogar semente de uva

fazer o pedido

iemanjá me dê o mar

para poder me afogar

 

©cristina arruda

 

ensaio
lia beltrão 


Apaga todas as memórias

esquece todos os movimentos

desde as piruetas no espaço exíguo do ventre

até o fechar das pálpebras entregues ao sono

 

Deixa que a flacidez dos músculos

mescle-se com as falhas do colchão

e que entre a pele e o lençol

brote a intimidade da pedra com o musgo.

 

Não é a morte, ainda.

É só teu corpo ensaiando tua ausência.

 

 

9 poemas
líria porto 


chuva

 

 

canta para eu dormir

a canção das águas

 

 

 

 

historia de un amor

 

 

o aparelho na perna

toc tuc toc tuc toc

o disco do lucho gatica

(la barca el reloj

bessame mucho

contigo en la distancia)

a paixão por helenice

a mocinha da ponta da rua

que foi para são paulo

e virou puta

 

 

 

 

sono

 

 

canção de ninar

poderosa e antiga

é a da morte

 

 

 

 

*

 

corpo é casca deferida

 

 

 

 

de transformar o sofrimento

 

 

no inverno era pior

doíam-lhe os dedos os joelhos

as costas os braços as pernas

os pés

e quando lhe perguntávamos

como te sentes

mamãe respondia-nos

:

no maior romantismo

 

 

 

 

máquinas de moer

 

 

feriados prolongados

corpos corpos corpos

 

na estrada

carne moída

 

almôndegas

 

 

 

 

a defunta

 

 

quando banhei felícia

vi-a de corpo inteiro

tufos de espuma do mar

nos cabelos nos pentelhos

 

perfumei-a

enrolei-a em lençol branco

coloquei-a num caixão

outros fizeram o enterro

 

(fechou-se o chão para sempre

e ninguém chorou)

 

 

 

 

sem festa

 

 

o cinto apertado

e o menino a pedir-me um brinquedo mais caro

que o décimo terceiro

 

para o ano eu espero

justiça

 

 

 

 

término

 

 

no ano

ponto

 

no ânus

pum

 

©cristina arruda

 

poema
maria josé de dirceu 


certas canções

entram pelas orelhas

e ficam fazendo cosquinha

dentro da gente

 

 

compartilhar:

 
 
temas | escritoras | ex-suicidas | convidadas | notícias | créditos | elos | >>>