edição 48 | outubro de 2014
temas:  uma andorinha só | amuleto | old times

 

 

3 poemas
daniela delias 


bando

 

 

estamos tão longe do bando

chegamos tão perto do fogo

e ainda é inverno, grande amor

 

meus olhos estão abertos

— eles são luas, você diz

eu digo: pássaros pequenos

nômades, estrangeiros

 

um céu de onde se ir

 

 

 

 

amuletos

 

 

tenho pra mim que você me veria

num café ao largo do mundo

remoendo o azul das coisas

no centro de uma cidade cinza

 

tenho pra mim que você me teria

lábio vermelho, branco pelo

pó de arroz, rímel, cabelo

e dentro uma cidade cinza

 

tenho pra mim que você viria

com seus amuletos e orquídeas

e seríamos qualquer coisa

entre o belo e o absurdo

 

 

 

 

infância

 

 

tão bons aqueles tempos,

eu dizia. você lia Collodi,

 

eu, boneca falante,

pedaço de lenha

sem fada nem gente

 

ainda me dividia.

 

 

3 poemas
heloisa defarge 


passaredo

 

 

dois pombos

a andorinha

e eu só de olho

na rolinha

 

 

 

 

chave de buceta

 

 

a oferenda

das minhas pernas

te sufocando

de silêncio

 

 

 

 

conto de fadas

 

 

boa mesmo era mainha

cerzia, bordava

era com prendas

que fazia renda

 

papai bebia, fumava

e era com

as putas solidário

 

eu assistia televisão na sala

e sonhava com o

príncipe encantado
 

 

priscila merizzio | nádegas pneumáticas em shopping de florianópolis | 2013

 

 

pé de coelho
isadora galvão 


pé de coelho

galho de arruda

trevo de quatro

folhas

 

não fie tua sorte

nos amuletos

(que eu prometo

quebrar espelhos

fazer um deus

nos acuda

nas tuas escolhas)

 

gato preto eu tenho

e vou te confessar

passo debaixo de escada

 

esse teu empenho

em afastar o azar

não vale nada

 

teu amuleto, criatura

sou eu, e não percebe

 

esquece o pé de coelho

a mandinga, o trevo, a figa

 

(segue o conselho

da tua mulher-amante-amiga

 

sorte é ter a mim, água pura

azar de quem não me bebe)
 

 

 

calundu
larissa marques 


a mãe falava com os mortos e cedia seu corpo a eles. Carlos lembrou de que quando criança ouvia conversas no escuro, sussurros por trás das portas e nunca soube dizer se era a religião ou o estilo de vida dela. ao amanhecer o banhava com unguentos e canções de maldição, um culto secreto de glória ou de lamentação, como saber? recordava que fora tomado por tios e por desconhecidos e não se lembra se vivos ou não. o certo é que era violentado por herança materna. no vigésimo quinto capítulo, ele escondia o rosto para chorar e sufocava os soluços no travesseiro. a fita da máquina de escrever estava gasta, mas mesmo assim queria continuar escrevendo, ela não era sensível e nem tinha tato para assuntos tão pessoais.
 

 


priscila merizzio | gêmeas de "o iluminado", cade vocês? | curitiba | 2012

 

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