edição 45 | dezembro de
2013 mas ela disse! maria isabel de castro lima Ela disse que
eu era seu grande amor, que nunca iria me trair, que iríamos viajar, que
não existia vida antes de mim, que eu era seu sol seu céu seu mar, que eu
era seu mundo sua família. Achei meio exagerado aquilo, mas alimentou meu
ego. Depois de um tempo justo me traiu, viajou com outra, criou outros
mundos, construiu outra família. Fui a última a
saber.
Maria Isabel de Castro Lima [apelido Bau]. Professora e tradutora de inglês e espanhol, mora em Florianópolis, e é apaixonada pela praia, pela vida e pela literatura.
fraude neusa doretto Discreta
arrumava-se
quão
arruinada
estivesse por
dentro
Mentia o
suficiente:
era
sozinha
sem gato e
sem gente
Na casa só
tinha
um
espelho
e
um pente
(E todos os
ais no note à frente)
Neusa Doretto.
Atriz e dramaturga (EAD/USP). No teatro, trabalhou com Renata Palottini,
Fausto Fuser, Neide Archanjo, Guarnieri, Lourdes de Moraes e Teresa
Aguiar. Paralelamente, mantém atividade literária em jornais como Diário
de Sorocaba, Diário do Povo de Campinas, Revista Vivere e Boletim de Artes
Plásticas. Como orientadora cultural, trabalha com projetos ligados ao
teatro e de incentivo à leitura, apoiados pela Secretaria de Cultura de
Campinas, desde 1991. Dirige o "Teatro Falado", de incentivo à leitura
dramática, desde julho de 2007, trabalhando textos e poemas da literatura
contemporânea. Escreve os blogues Poesia Rápida, Sinceridade Brutal e Poema
Curta-Metragem,
que edita.
©thereza
portes
3 poemas norma de souza lopes rapina
deitada é
mais fácil encher de ar os pulmões e gritar
para os
corvos que lançam os bicos sob minhas vísceras
— ainda não
caí!
afora o ato
falso
nenhuma moral
há nisso
também tenho
meus dias de corvo
religar
para
grama
e o
lagarto
e as
galinhas
e os
patos
o sol é o
deus do terreiro
ambiguidade
no Muro do
Sartre
ela conheceu
Lucien
passou a
curtir
sexo
anal
sentia-se
macho
Norma de Souza Lopes (Belo Horizonte/MG, 1971). Poeta e professora (nas horas vagas). "Escrever é essa costura cotidiana quando posso tecer e juntar as pontas soltas da memória". Escreve o blogue Norma Din [normadaeducacao.blogspot.com.br]. Vive em Belo Horizonte.
sereia rosa pena A camisa pólo Ralph Lauren bem comportada
contrastava com o rabo de cavalo preso por uma "xuquinha" vermelha. Aquela
calça de pregas elegantérrima, apesar de apertada, denunciava coxas
grossas deliciosas.
E nos pés,
tênis. Sorri e pensei: Vestiram ele todinho para essa festa de casamento e
esqueceram o sapato.
Perdi meu
olhar naqueles tênis. Quando acordei do meu devaneio, dei de cara com o
dono. Sorrimos cúmplices imediatamente. Desviei o olhar super sem graça.
Apenas o olhar desviado. A cabeça a mil.
Ambos no
final da igreja, cumprindo formalidade.
Acabada a
cerimônia, fui para a fila de cumprimentos. Senti aquele delicioso cheiro
de mar, mesmo tão longe do litoral. Mar tem cheiro de macho, sempre achei
isso e continuo a achar. Ouvi um sussurro no meu
ouvido.
— O fio da
sua meia puxou.
Nem olhei
para trás. Sabia que era ele.
—
Muito?
— Um
pouquinho. Nada que comprometa essas pernas.
Silenciei
arrepiada. Tentei disfarçar a excitação.
— Amigo do
noivo ou da noiva? Sussurra ele de novo.
Sem olhar,
respondo:
— Prima do
noivo. E você?
— Ex-noivo da
noiva.
— Tá com
dor-de-corno?
— Eu sou o
próprio. Todo dolorido.
— Que merda,
cara. Por que veio então?
— Para ter
certeza de que me fodi todinho.
— Muito tempo
de relação?
— Muito
intensa.
— Vai abraçar
a noiva por puro masoquismo?
— Não... é
para tirar uma lasca.
— Minha meia
rasgou mais?
— O fio
puxado está aumentando, já deve estar no meio das suas coxas, onde eu vou
estar.
Finjo que não
ouço, mas ao mesmo tempo não quero perdê-lo de
vista.
— Vai à
recepção? — pergunto apressada e ofegante.
— Prefiro ir
pra nossa casa.
—
Nossa!?
Saímos de
fininho da fila.
Lindos pés
sem o tênis.Não tinha só o cheiro de mar. Era tão impetuoso como! Bem
salgado o gosto. Ótimo para a pressão subir. Bateu
vinte.
Virei
sereia.
Rosa Pena (Rio de Janeiro/RJ). Escritora, professora e administradora de empresas. Publicou PreTextos (Rio de Janeiro: All Print, 2004), Ui! (Rio de Janeiro: Bagatelas!, 2007) e Tarja Branca (Rio de Janeiro: All Print, 2010). Mais aqui.
4 poemas
rosana banharoli *
Fiz
da
mentira
verdade
Parei
de
mentir
*
Não me
acordes mais para falar-me de amor. Faça-o ser aurora
cálida.
*
na branca
cama
penitência
quebrada
corpos
intensos
exaustão de
lamparinas dançantes
prazeres em
feriados
ar
ras
ta
dos
a
ontens
: velo agostos
(or)ação
Vertigens
dogmáticas
Me levam ao
chão
Onde lavo
meus pecados
Em
genuflexão
Rosana Banharoli é autora
de Ventos de Chuva (poesia, Scortecci, 2011) e do e-book 3h30 ou quase isso (verso&prosa, no Amazon,
2013).
4
poemas
rosane carneiro *
Ela andava
toda a casa. Entrava becos e esquinas dentro do apartamento, como fosse
ali a rua, como houvesse o mundo a percorrer. Eu me perguntava como a
menina de sapato de boneca e laço de fita, tão formosa e precisa, surgira.
Volta e meia eu a via — primeiro, quis assassiná-la por culpa; depois
entendi que me servia. Era bonita. A mim não dirigia palavra, apenas
aparecia. E caminhava. Andarilha.
Se as pernas
fossem maiores poderia ir além dali, e para isso eu torcia. Mas também não
gostaria que fosse muito longe. Eu temia que crescesse.
Na verdade,
era um monstro.
Útil,
horrenda. Porque vinha mexer com minha criança de dentro, aquela que se
deliciava com uma versão melhorada da vida, sem remorso; a adolescente má
interna, suficiente e descaradamente pérfida para alcançar até a
inocência.
Tenho menos
idade; não, não amo mais ninguém; te quero bem mais que tudo; sinto-me
maravilhosa; juro ser verdade; bláblábló. Mas, principalmente: eu não
minto.
Deixa.
Convivemos. Fantasmagórica, mas altera a realidade por uns tempos.
E se eu
realmente lhe encurtasse mais as pernas (diz-se que) ela andaria ainda
mais.
êxtase
creio. tenho
fé.
que teus pés
de santa, Teresa
tanto quanto
teu olhar
existem para
meu açoite.
e
deleite.
*
Removo
montanhas.
*
Na corrente
entre o meu e o teu brinquedo
uma
arma
Na mordida
entre o meu e o teu cheiro
uma
granada
A bala mais
perdida do pique-
esconde
O ápice do
ácido quando se derrete
em
fome
Encontro
úmido da delícia com a morte
Rosane
Carneiro é autora de Excesso (edição da autora, 1999), Prova (Ibis Libris, 2004), Corpo estranho (Editora da Palavra,
2009) e Vate (Selo Orpheu, 2012). Editora e redatora pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, mestre em Literatura Brasileira
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, atualmente doutoranda e
pesquisadora no King's College London, pela Capes. Participante de
antologias e publicações impressas e virtuais diversas. Rabisca
vezenquando em antialergica.blogspot.com.
Desejaria ser menos absolutamente na
dela.
©thereza
portes
[paródia
sem-vergonha]
sandra regina de souza Nem sempre,
meu amor, esteja dentro
Antes, saiba
fazê-lo entre tantos
Que mesmo em
fase de algum lamento
Estremeça em
meu corpo vibrando
Quero tê-lo
nos vãos em movimento
E nesse calor
me lambuzar de encantos
E rir sem
siso, te desejar num canto
do meu
delírio de acasalamento
Assim, em
cada vez que te procuro
Quem sabe,
com sorte, eu ainda salive
Quem sabe,
com tesão, na minha cama
Eu possa ter
teu membro em riste:
Que não seja
só rápido, mas sacana
Que esteja
interno enquanto duro
Sandra Regina de Souza.
Paulistana das Letras, gosta de brincar com os sons, quebrar o ritmo dos
dias. Quando crescer, quer ser poesia. Escreve em alguns blogues
[feitaemversos.blogspot.com | detudoficaumconto.blogspot.com | blogdesete.blogspot.com].
Publicou os livros O texto sentido (Ed. Limiar, 2008) e haicaos — em parceria com Múcio Góes (Ed. Limiar,
2012).
3
poemas
shirley carreira o
desejo
Mistérios
profundos envolvem
O desejo, e
neles se movem
De modo mais
que absoluto,
Sediciosos,
sutis e astutos:
Essa vontade
de não ter, tendo,
O ímpeto de
partir, ficando,
O dilema de
esquecer, lembrando,
E a luta de
negar, querendo.
se não for
amor...
Se amor é
este
Transbordar-se
inteiro,
E dar-te
vida
A fluir dos
seios,
E acolher tua
boca ansiosa,
Verso,
anverso e entremeios,
Caudalosamente,
amo-te.
Se amor é
este
Revirar-me do
avesso,
Sem saber-me
fim
Ou
começo,
E deixar-me
entregue
Ao teu desejo
espesso,
Perdidamente,
amo-te.
E se não for
amor
Este
desesperado cativeiro,
Há de ser
loucura
O território
derradeiro
Desta sede,
desta fome,
Deste
inominável anseio.
a mulher e os
ventos
Quando eu for
só brisa
A ciciar em
teu ouvido
Os rumores
das minhas paixões,
Acerca-te de
mim
E toma o teu
espaço.
Quando eu for
vento
A soprar em
teu pensamento
O rufar de
minhas emoções,
Põe-te em
alerta
E guarda o
teu passo.
Quando eu for
tufão
A arrastar-te
com meus gestos,
Palavras e
tensões,
Deixa-te
levar,
Ceda ao meu
compasso.
Toda mulher é
furacão com nome
E arrasta até
o fundo
Os desejos de
um homem.
SHIRLEY de Souza Gomes CARREIRA é Doutora em Literatura Comparada (Ciência da Literatura) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2000), com Pós-doutorado em Literaturas de Língua Inglesa pela UERJ (2004-2005). Como ensaísta, tem trabalhos publicados em livros e periódicos do Brasil, México, Portugal, Estados Unidos e Inglaterra. É Professora Titular do Curso de Letras da UNIABEU, onde também exerce a função de editora da Revista e-scrita, do curso de Letras, e da Revista UNIABEU. Tem poemas publicados na coletânea Poesia do Brasil v.3, e no livro Entre a sombra e a alma, edição da autora.
» Imagens
Thereza Portes. Bacharel
em Artes Plásticas pela Escola Guignard /Universidade do Estado de Minas
Gerais. Professora efetiva da Universidade do Estado de Minas Gerais.
Atualmente é Chefe do Departamento de Artes Plásticas e professora de
pintura da Escola Guignard UEMG. Artista plástica, educadora e
coordenadora do Instituto Undió (organização não
governamental que trabalha desenvolvimento humano pela arte). Participou
de diversas exposições no Brasil e exterior. Site: www.therezaportes.com.br.
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