edição 41 | julho de
2010
[Ao
som de Used To Love Her, G'N'R] Ela
era gordinha, parecia um menino com aquele jeitão dela, mas eu gostava.
Ria muito de suas frases imprevisíveis. Nos
acabávamos na cama como duas patifes, como duas
assassinas. Até
que aconteceu. Eu não queria, mas ela veio sem tato nenhum, cravando
aquele michê enorme no meu rabo. Enfiei
goela abaixo. Fiquei
em cima dela. Gritando, rasgando a carne dela, mordendo as orelhas e o
pescoço, até a pele arroxear. Ela
se debatia, me arranhava com suas unhas roídas, me puxava os mamilos — e
eu gozava vezes seguidas. Ela
demorou pra burro até ficar quietinha. Saí
do banho pronta pra uma noite que nem papai sonha possível. Preparava a
primeira carreira quando lembrei do que tinha feito. Ela
estava na cama com o puta consolo estufando a traqueia. Puxei com força e
acabei arrancando um dos caninos. Achei
melhor botar ela pra fora do apartamento antes que ficasse
fria. Mas
primeiro, brinquei de salãozinho. Vesti e maquiei como se fosse uma
boneca. Carregar
aquela gordinha bêbada pelos corredores tudo bem, mas descer aquele peso
morto pelas as escadas, nem pensar. Era
uma decisão difícil, mas ninguém ia se meter no meu
esquema. Virei
uns goles de Jack Daniel's, bati umas cavalas na mesa e cheirei até não
sentir o maxilar. Apoiei
o traseiro dela no beiral da janela, lambi seu lóbulo e
soltei. Isso
foi há três anos. Acabo
de sair de um centro de reabilitação para drogaditos. Namorei bastante as
enfermeiras, mas elas só aprenderam a abrir as
pernas. Não
vejo a hora de ser cravada no rabo. O problema é que agora sou de
maior.
Lilith Damm (São Paulo/SP, 1946). Professora aposentada e viúva de um desembargador que atuou na Vara de Família. Completou seus estudos normais no Instituto Educacional da Beata Sant'Anna, onde foi professora. Escreve há pouco mais 3 três anos.
quando
nasci não veio anjo nenhum e portanto não se disse vai ser isto ou aquilo.
"de sete meses cria, de oito é difícil!", a madrinha repetiu durante uma
semana. sobrevivi. e acabei crescendo graças a bife de fígado, geléia de
mocotó e ao calcigenol. * tenho:
sogro e sogra, cirurgia adiada, conta de luz-água-telefone-celular-tv a
cabo, freezer combinando com a geladeira, convite pra festa de aniversário
de criança aos sábados, toalha de natal com rendinha, estrias discretas,
receita de pão de queijo, seguro contra incêndio, jogo de porcelana
inglesa completo menos a terrina que a empregada derrubou, cabelo
precisando de um banho de óleo, liquidificador no conserto. e o pior de
tudo: saudades. * lembro
de uns vidros de perfume com tampa em forma de pêssego, presente de
aniversário, infalível para meninas comportadas. eu tinha três frascos em
cima da penteadeira (tinha penteadeira claro) e ficava horas olhando para
os rótulos: paris, roma, tóquio, new york. * herança
do avô italiano: "Quem guarda tem, quem não guarda a pedir vem!", "Quem
muito se abaixa mostra o rabo...", "Vassoura nova varre bem". filosofia
pura que a família seguia à risca. ele era um chato. * aos
dezesseis anos se é macrobiótica, fuma maconha, rói as unhas, é
socialista, só usa calça da moda, queima incenso, adora a natureza, fica
trancada dentro do quarto lendo a obra completa de alguém, usa as joias
que ganhou aos quinze anos junto com um colar feito de macarrão torrado. é
católica roxa e zen budista. diz frases incompletas. ri como nunca mais
rirá. * um
ano inteiro chorei a morte do Cristóvão Colombo. dos sete aos oito anos.
tão triste a história que a freira contou: "morreu pobre e esquecido na
cidade longínqua de Valladolid...". * nas
insônias invejo os ratos que escuto no forro da casa. movem-se, fedem.
multiplicam-se. sinto o frio dos filhotes. a cada noite ouço. espero. sei
o quanto estão ali. nós. * quando
apareceu a tv a cores: "A imagem é uma beleza mas não pode assistir mais
do que uma hora por dia. Faz mal pra vista". em são paulo uma criança
tinha ficado cega. * todo
verão afãs de transparência. este ano inadiavelmente serei fêmea. comprar:
cremes miraculosos, vestidos indianos com estampa de flores miudinhas,
duas saias curtas uma amarelo ouro outra não sei, blusas cavadas, brincos
extravagantes, sandálias de saltos altíssimos. não adianta. nunca deu
tempo pra usar. * prova
de português: grafia correta das palavras. tirei dez. chegando em casa
ouvir a avó falando: "Juca, seje homem e troca o fuzil que eu tô ocupada
botano a roupa no quarador". * não
tenho: marido com gota, blusinha que mostra a barriga decadente como se
não fosse, chaveiro de instituição de caridade, aula de ginástica, nem
mecha nem franjinha, unhas compridas e/ou vermelhas, enxaqueca, amante
mais novo, jogo de panelas que cozinham sem óleo. deixo um pouco para as
outras. * nunca
pude com esta história de "clássicos". "Esperava encontrar os clássicos
entre os seus livros!". clássico é o degredo das expectativas. é esta
chuva lá fora, a tarde se esgarçando, a umidade das palavras envelhecendo
por dentro da gente. clássico é o silêncio, a necessidade de três pontos.
clássica é a sístole. é o verde tornado amarelo e o amarelo verde a cada
ano. são os buracos. carneiros na escuridão. a respiração contra o vidro
nas madrugadas geladas. mão tremendo. são as cinzas. clássico mesmo — não
importa a ausência na estante, volumes raros, mensagens lidas — que eu
saiba, clássico mesmo é o pó. * nunca
mais ouvi: "Preciso visitar a comadre incontinenti!". nem "Esta foi
formidável!". nunca mais uma tia-avó mandou: "Ponha já um barrete que está
sereno!". nunca mais alguém disse sequilhos, alfazema, xale, levado da
breca, farnel, valha-me Deus. nem resguardo, nem sianinha, nem carro de
praça. nunca mais ninguém tropicou. (...) pior cego é aquele que
lê. * as
palavras são areias e se perdem. folhas enlouquecidas dançando
contratempos antes da tempestade. consciências. vislumbres. quem se
interessa pelos destinos? embrulho para presente? ah, está sem trocado?
ofício de eterno mendigar; por que as flores se o asfalto é tão bom? por
que os tambores derramando mensagens, discursos tristânicos? por que estar
aqui cravando desenhos nas paredes, esculpindo sentenças, acenando aqui
estou? Enquanto
escrevo amanhece.
Luci Collin (Curitiba, 1964). Graduada em Piano, Letras e Percussão. Doutora em Letras. Dez livros publicados. Recebeu premiações em concursos de literatura no Brasil e nos EUA. Representou o Brasil no Projeto Literário da EXPO 2000 em Hannover. Participa de antologias nacionais e internacionais (EUA, Alemanha, Uruguai e Argentina) e tem artigos e traduções publicados em diversos jornais e revistas. Mora em Curitiba e é Professora de Literaturas de Língua Inglesa e de Tradução Literária na UFPR.
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