edição 29 | agosto de 2008
temas:  ponto g | deus & diabo

 

sacanário
adelaide do julinho

na sua língua do p
a festa do meu ponto g
(o segredo da alma é o negócio)

 

 

ao remetente
assionara souza
  

Cada sentença uma cabeça. Sempre que alguém me obriga a falar a verdade, faço questão de mentir. Cresci com convicção certa de que mentir é, e não é?, a melhor forma de sobrevivência. Não vou abrir mão disso, nem que forçado a jurar sobre o Livro. Obrigação só para comigo, amém.

O senhor que não me condene. Sou inocente, sim. Sempre fui. A vida toda. Acredite-me. A moça chegou quieta e bonita pra cima de mim. Ela bem me olhou que eu vi. Roseana flor desabrochava.

— Como?

— O moço faz o quê?

Eu minto e bebo. Uma forma de me anestesiar melhor. Mas isso eu não disse a ela.

Há muito tempo o álcool me esquece de mim. A minha natureza é humana mesma, digo ao senhor. Sou o bicho homem cansado do mundo. Ninguém me manda. Ela olhou e eu lancei aquele meu sorriso especial de sempre.

Eu minto sim. E fumo também.

Já tem um tempo que o fumo anuvia esse qualquer descontentamento. Crio os bichos que um dia tentarão me devorar. Trago eles todos para o meu convívio. Ensino a beber, fumar e acreditar em histórias as mais. Sou o imperador das esquinas. Um dia soberano. Outro sobre nada. Quando menos, desconfiam olhos pro meu lado. Cobra quer mais é trocar a pele quando gasta. Me reajo. Por essa aí eu afirmo que não tenho a minha devida culpa. Malandragem de mulher é fazer o sujeito sentir-se em penas delas. Eu não tenho pena é de ninguém. Veio. Eu fui. A outra casca já estava escapando mesmo. Tingiu-se-me uma toda nova. A ponta tesa do chocalho balançando que só. Bom mesmo é ser especial. Acredite-me.

A Eva vestia uma saia serpenteante. Então eu não conheço os avisos do mundo? Só o que eu sei é contar. Esperar. Reconhecer. Culpado nunca. Estava pra mim que era aquela a milésima noite de nada para a primeira hora de tudo. Doença que eu curtia, remédio vinha a granel naquelas pernas estradas ao quero é mais do corpo dela. Minha especialidade é agradar a quem possa-me em dobro. Nasci com as manhas da paciência para aprender que certas privações guardam prazeres cem por um. Mas que nem tanto, pois houve noites e outros escuros. Lambi muitas azedas solidões. Fui solidário no azar. Aquela hora não tinha moral nem morais. Sei muito bem distinguir qualidades de pecado. Mentira é verdade inventada pra quem quer acreditar. Achando a certa para cada certa pessoa, dissolve-se a fronteira crueldade. Cresce geral enternecida paixão. Acredite-me. Eu cozo de fora pra dentro e ninguém repara desvio. Minto, sin´sinhô, mas sinto.

A moça estava carecida. Ciosa que estava. Aposto que já no passar do batom o coração estralou uma esperança vermelha. E não é em organizar com zelo os apetrechos da caçada que a presa vem direto pra o olho do fuzil? Eu não. Inocente sou. Ela se preparou. Reconheço. Sei medir exato o tempo do antes com a aparição do durante. É nisso que invisto meus verbos. Acredite-me. Essa moça lavou-se foi na intenção de sujar-se. E eu gosto da minha mão perto dessas vontades. Pensar é para o depois. O senhor que vá me desculpando.

Agora então a culpa é minha? Também não tenho os próprios compromissos públicos? Mulher que se clandestina deve prezar o silêncio. Gosto sim. Dizer no ouvido outro uma mentira úmida. Inverno todo carne e calor refaz-se. Por mentir é que desconfio. Dessas artes mulher já nasce aprendida. Tenho culpa é de nada. Acredite-me. Ela que. E sempre insistente.

No começo eu prefiro é as seduções. A saia toda preta. Ainda na perna o gume macho da navalha. Estou dizendo ao senhor. Ela antecipou-se antes. Eu vi isso no ardor que arrodeava sua figura. Olhou-me o escolhido. Meu fraco é só as mulheres. O resto rapinem, nem vejo.

— Como?

— O que é que o moço faz?

— Eu me disponho. Chamo-me todo eu: "Ao seu dispor". Muito prazer.

Nem sou só disso. Vá me acreditando. Cumpro a minha cartilha com a letra e o desenho. Gosto das metáforas para antes das metonímias. Aquelas sempre dizendo estas. Gato dá voltas três vezes para o leite da tigela ser melhor apreciado. Eu três vezes mil. Minhas mentiras. A moça interpretou caderno e lápis novos. Onde fui escrevendo caligrafias de seu corpo. Assimilamos. Eu e ela. Acredite-me.

Ser criado por mulher, quando não desvia, ensina a ser homem mais. Eu sabia e sei. O que ela tinha em casa: um sem sombra e sujo. Vergado do peso da própria vergonha. Ou ao contrário que é o mesmo. Um zelozim de si. Essa qualidade de tipo só quer o venha a nós. O vosso reino, que é bom, nada. Pense quem quiser que pense. Pensamentos são de quem os tenha primeiro até que na união vire opinião. Minto? Nunca. Esclareço. Mulher nasce é bicho ouvido pra frase de elogio. Se na minha frente e olhante eu não ia dizer que era só ela e ninguém a única no mundo? Foi na hora. Quem não sabe, pois aprenda.

O que ela sentia era ausência de relevâncias. Se a carne incendiava toda por dentro, guardar-se em vontades é que não podia. Tocar fogo por fora nunca jamais que não é moça arábica. Veio a mim. E o senhor sabe, eu disponho. Dispus. Convenci bem. Era uma flor, a Rosa. E existisse novidade que não vire senhora idosa? Sofri do mal do desagradei-me. Como eu disse. Gosto é das seduções. Dela muito apreço e gozo fiz completos. A moça água corrente, represou com o tempo. De umas mentiras é que não me aparento. Lá sou eu de me organizar exclusivo? Filho sou da minha mãe. E só. Minto é pra aguagem de canteiros. Nada de matos espinhos. Ciúme é fecha-a-cara e vá-se pra lá, não me serve. Agüento. Não, senhor.

Leve daqui sua filha, que me cansa é faz horas.

 

 

2 poemas
cida pedrosa

kelle

 

que seja feita

a vossa vontade

entre as pernas de kelle

e o silêncio da gruta

 

que venha ao nosso retiro

a cama desfeita

a diabrura dos dedos

o suor das roupas

e a boca de kelle

 

que nos dê hoje

o desejo e a festa

a boca e o pênis

o pão e a boceta

e a vontade de kelle

 

que seja feita a vontade de todos

na fogueira do corpo

 

 

 

prazer

 

o diabo faz cócegas em meus pés

enquanto abro as pernas

 

e deus alisa meus cabelos

enquanto grito ao teu ouvido  

 

 

 

guerra é guerra
dominique lotte

gatinha, esperei noites e dias

sua resposta ao meu bilhete bem coerente,

deixado na sua janela ao relento:

"gostosa gatinha, ganhe a glória de um gozo

com um garboso galo, galante gentil e generoso,

sou o Germano, de galho grosso e grande,

guardo na gaveta toda a gama de gritos e gemidos,

garanto derreter o gelo do seu grelo"

e sua resposta, um recado gritado:

"venha a galope, gaste sua glande

na minha gulosa garganta,

se és guerreiro ganhe a guerra do G grande".  

 

 

 

 

taio
florbela de itamambuca

 

essa vida é emprestado pra nois tudo

não tem essa de certidão de terra

aqui o que começa não encerra

o que mais tem é céu pra carpir graúdo

 

tem inferno também lugar chifrudo

conheço muita moça que se ferra

corpo menina cara de bezerra

berrando a vida inteira um peito mudo

o lugar é de deus irmão do diabo

dois filhos dessa mãe que é a natureza

tudo que fiz as mão por ela eu abro

 

nada pedi gradeço em minhas reza

quando eu for vou mas antes eu acabo

de bordar meu nome no taio da mesa

 

compartilhar: