pai meu pai iniciou a vida
como
convinha foi criança, foi
miúdo bem cuidado e com
saúde viu o sol raiar, o sol se
pôr e com certeza ficou
encantado e sem se dar conta
viu-se de repente
crescido suas roupas
encolhidas a infância
ida. percebeu que a vida
não era
brinquedo, em vão tentou reencontrar a
Magia, a surpresa da inexistência o
fez esquecer de vez aquilo que ele
chamava de Magia no seu coração agora só a
lembrança dos bondes, da praia
virgem, da cidade limpa como
conheceu, das salas de cinema
amplas, do sorvete de
chocolate. meu pai não teve horizonte
amplo não soube o verdadeiro
significado da felicidade, eu
garanto, esperanças sumidas como se
lagoas fossem secadas pelo
inclemente sol, escravizado de manhã ao
entardecer o dia não tinha muito pra
lhe oferecer o pai do meu pai viveu num
mundo de flores e campos
verdejantes mundo ainda primitivo,
nevoado que meu pai nunca conheceu
como devia um mundo ao qual ele deu
adeus junto com o adeus ao pai
dele assim como eu dei adeus a
ele e meu filho me dará seu
adeus do mesmo
jeito pais surgem de um ponto
e somem num
outro é tudo que sempre todos
teremos, o pai é pai enquanto
precisam dele e sempre, sempre daremos o
nosso adeus a ele antes do
tempo esgoto em algum lugar essa rua
acaba num beco sem
saída e agora tem grama de cada
lado e o sol ilumina e os
pássaros piam e a brisa não traz cheiro de
fumaça e a rua encontra outra
rua que atravessa outra
mais e mais duas se
cruzam e agora há paz nessas
ruas mas não faz muito tempo
atrás que os judeus
encurralados no gueto de Varsóvia
ouviam
gritos, berros, vidros
quebrando-se, viam sinagogas
incendiadas, lojas
arrasadas, escolas
fechadas, botas alemãs e a cruz
gramada e no labirinto do
gueto os mais valentes, em
subterrâneos, cochichavam à luz das
velas e planejavam o
levante enquanto o bebê
chorava enquanto balas crivavam as
janelas e alguém da família morria
em agonia e a mãe
falava: "espera mais um pouco, meu
filho!" e atingida de morte,
murmurava: "no céu te
encontro!" túneis cavaram, como ratos
viveram labirinto de vida ao
labirinto do esgoto de
Varsóvia mil lutaram, crianças e
velhos, morreram, gueto arrasado, poucos ratos
escaparam, o sol se põe, nenhum
ruído, as ruas se calam,
a noite é
calma, uma criança chora,
risadas, tudo
silencia, o esgoto
labirinto por baixo do
asfalto ainda vive.
soneto
rodamoinho
para Anike
Laurita antes eu conhecesse de
você mesmo sem nem você nem
convidar foi só pousar as vista e
ogunhê é quem chega quem leva quem
traz mar tiro no escuro, aí que a
gente vê se tanto fogo é palha ou
tronco ipê olho dágua na encruza do
lugar borbulha o rodamoinho no
luar se for perder nas onda de
quem ama vira prum lado vira pro
outro lado firma nessa canoa, o fundo
chama entre o mar entre a mata tá
encantado se cruza o pé na brasa não
reclama o que é do meu caminho tá guardado
labirinto
andorinhas furam a
paisagem bicos, bicos, pontas de
asas, a curva rasante de um
vôo de encontro ao
invisível abismo
três movimentos mal-ensaiados para sair daqui
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