edição 15 | abril de 2007
fuga

 

soneto búzio
florbela de itamambuca

ir pra onde meu deus largar da vida?

que nem das tribo pobre sai os índio

norte arriba com rastro de suicídio?

minha mula refuga na partida

 

cunhambebe no sangue distraída

tomo o rumo das mata precipício

desemboco beirando o município

na toca da josefa onça fugida

 

toco de camburi pra caçandoca

rasgo minha ubatuba ponta a ponta

de um quilombo pra outro oca em oca

 

cada areia que um búzio a praia encontra

rastros de meus refúgios tribos tocas

volto pra itamambuca em mim... só... outra

 

 

 

 

 

múltipla escolha
jane sprenger bodnar

o chá da xícara de mergulhos acabou

as paredes nuas nos denunciam

nossos olhos não têm mais para onde fugir

me refugio, então, em tuas pupilas

até que um varrer de cílios

recomponha o instante

 

 

 

natália
jussara salazar
 

Bom jardim, Pernambuco, por volta do ano de 1930.

 

 

Natalício,

 

 

Não se afflija que é uma cousa muito natural, tendo de rebentar-se a revolução e João não querendo mais separar-se de mim, resolvemos fugir para nos cazar-mos logo; aqui o Padre não fazia o casamento sem os papeis, mas em Recife tem um Frade amigo de João e faz o casamento, de accordo com o irmão delle. Nestes 3 dias te telegrapharei participando o casamento. Saio como o soldado que vae para a guerra, só voltarei aqui com os louros da vitória; te conforma que é o meu destino, e se por ironia da sorte, não sair a medida dos nossos desejos, nunca mais saberás noticia minha, nem elle próprio que vae comigo, para isto levo um revolver. Não saio com outro intuito a não ser de cazar-me o mais breve possível; voltaremos breve para dar-te provas. Como sabes, sempre vivi muito em casa de Hermelinda, não vá se queixar dellas que nada sabiam, estão inocentes como tu estás. Os únicos culpados sou eu e elle mesmo. Assim como tu tens uma verdadeira amizade a tua noiva, assim também eu tenho ao meu, por isto resolvi fazer isto, saio porque conheço que o homem a quem dediquei o meu amor é digno delle, porque me retribue com a mesma amizade sincera e que soube me respeitar até a data presente, por esta grande prova de um homem, merece que eu deposite nelle toda confiança. Se Oscar mandar um vestido pra mim, você faça presente delle a Dida, e se elle mandar o dinheiro, você compre qualquer cousa para seu casamento.

Vou terminar pedindo a Deus que te dê felicidades no teu casamento, e resignação para supportar o desgosto que te dou; espero ser perdoada, a irmã que nunca te esquecerás,

 

                                    Natália

 

 

 

Nota da autora:

 

Esta carta foi guardada como segredo de família por aproximadamente 75 anos e revelada depois que publiquei o livro de poemas Natália, em 2004. Até então, só sabíamos que minha tia-avó havia fugido para nunca retornar, que todos os seus pertences foram queimados em um baú em frente à casa que morava, e sua história cercada de silêncio. Natalício era seu irmão e meu avô. Transcrevo abaixo o pequeno texto de abertura do livro que leva seu nome como título:

 

"Minha tia-avó se chamava Natália. Um dia fugiu com um tenente da volante, a milícia que caçava o cangaceiro Lampião pelas matas do sertão de Pernambuco. Nunca mais voltou. Em nossa família desde então seu nome silenciou, desterrado e proscrito, é proibido pronunciá-lo". [Jussara Salazar] 

 

 

 

 

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