edição 13
| dezembro de 2006
4 poemas *
Em 6 anos você se olha E não tem mais a mesma cara
Em 6 meses você cura Uma ferida seja ela qual for
Em 6 dias você acumula Mais tarefas do que na semana passada
Em 6 horas Você pode viver um grande amor
60 minutos por hora essa é a velocidade que a sua vida acaba
6 segundos é o que vai te restar Pra perdoar aquilo que você nem lembra mais
*
Nada como o primeiro segundo amor Mãos dadas espremidas Caras de cansados
Nada como tentar amar daquele jeito Procurando os restos dos corações mastigados
Nada como viver tudo de novo Histórias meio esquecidas Quase ciúme de tudo passado
Nada como acreditar que agora sim sem tanta ilusão, sem tanta sede sem tanto medo, sem tanta fé
Nada como deixar tudo ser e o amor ter o tempo que só o tempo quer
*
O canto da argila surgiu assim imundo Então não se iluda como se humano fosse puro
Tivesse algo de intenso além dessa pura raiva e incertezas escuras de se achar um tipo de realeza com certezas absolutas
E não enxergar a beleza de ser um simples acaso da natureza
Que só serve para matar a vida e inventar o tempo para inventar a vida e matar o tempo
*
quando achei que tinham acabado todas as minhas ilusões doeu demais doeu rasgado
me disseram não ligue não o tempo há de curar o teu passado
o tempo passou e a dor não
só aí que eu vi que só faltava perder essa daí
Estrela Ruiz Leminski é escritora curitibana. Vem se enveredando pelos rumos e rumores de palavras e sons desde pequena. É musicista, baterista, compositora, letrista, participa da banda "Casca de Nós" e do grupo "Música de Ruiz". Poeta, escritora, professora de música e formadora de opinião (dela mesma).
quatro mulheres sem história
1.
Rosa corta fatias de pão para o café. Serve os soldados, olhando baixo, um olho verde, outro violeta. A pia reflete o rosto suado de esfregar utensílios um a um, polindo-os com bafo quente. Suas unhas brilham a virtude de sebos, de carnes, de raiz arrancada. Hoje sente um enjôo comum, e se debruça sobre o tanque. Os punhos fechados torcem toalhas manchadas de sangue.
2.
A filha de Rosa nasceu num quarto de fundos, em noite quente — gritos, choro, mais nada, ninguém. Foi levada para um casebre à margem de um milharal, longe dali. Colhe milho, aduba, semeia — o olhar violeta iluminando o vestido desbotado de flores. Meninos atiram-na ao riacho: Adelaide está sempre encharcada — de rio, de chuva, de suor. Volta sempre com fome, com sede, suor escorrendo pela nuca.
3.
Cega, a filha de Adelaide desde pequena sabe manusear o facão e costurar camisas de homem. Cozinha galinhas que ela mesma depena com ervas, sangues e vinagres, condimentos picantes que respingam nas camisas dos homens famintos. Lava, passa, esfrega, conhece
a posição de cada tábua, de cada falha no assoalho. Seus irmãos esbarram nela — Aurora aspira o cheiro de cada um, mesclado ao capim.
4.
A filha de Aurora nasceu em noite sem lua, do outro lado do rio. Foi encontrada coberta de sangue nos braços da mãe morta. Anos depois, num ponto de ônibus, contava os trocados. Um olho verde, outro violeta, habilidosa com as mãos e quieta, Jurema foi migrando pouco a pouco em direção à cidade. À noite, deitada na cama estreita, alisa a barriga, olha as estrelas e se pergunta que nome vai dar à filha.
Flávia Rocha é jornalista e nasceu em São Paulo. Trabalhou nas redações das revistas Bravo!, República e Carta Capital. É uma das editoras da revista literária americana Rattapallax. Tem Master in Fine Arts em Criação Literária/Poesia pela Columbia University. É autora do livro de poemas A casa azul ao meio-dia/The blue house around noon (Travessa dos Editores, 2005). Na área de cinema, é co-fundadora, com Steven Richter, da Academia Internacional de Cinema.
rascunho do tempo Rascunho essa memória Contando estórias de meu pai. Mergulho no mundo: abissal paisagem. Viagem pelo barro: mistura fria. Calor de tua mão. Fogo do forno Volto ao passado cuneiforme. Extraio de mim a parte possível: Sou a cerâmica esquecida Durante as mudanças da vida. Onde me debruço? No patamar dessa escada Ou no tempo a ser inscrito pelo meu corpo? Nesse tempo — alguidar Cheio da água jorrando esquecimentos Preparo meus dias para o meu sempre Mesmo sabendo o teu nunca.
Vera Casa Nova. Poeta, ensaísta, pesquisadora e professora da FALE/UFMG. Doutora em semiótica pela UFRJ. Pós-doutora em antropologia visual pela Ecole Des Hautes Études em Sciences Sociales, Paris, França. Tem diversos trabalhos, poesias, ensaios, estudos e pesquisas publicados em livros, internet, jornais, revistas, suplementos literários do Brasil e exterior. Autora, entre outros, de Lições de almanaque (Ed. UFMG, BH, MG) e Desertos (poesia, 7Letras, RJ). Carioca, vive em Belo Horizonte.
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