edição 11
| outubro de 2006
dirigível do amor mandei on monday morning
alice morder as hélices do meu teco-teco
ela sorriu estilhaçada de frio e vento batendo na cara
mas preferiu aterrissar girando a saia mostrando a calcinha pros passantes.
Pro Chacal
o violino Evitou a luminosidade vindo da janela, abraçou a almofada, quis se desvencilhar do lençol, suspirou cansada, suada, olhou com ódio o aparelho de ar condicionado, quando será que ele vai mandar consertá-lo? — acordou? — perguntou ele. Ela não respondeu, queria ainda estar dormindo. — será que pode me fazer um chá? — coloque a chaleira com água no fogo que já vou — respondeu ela. — tá de mau humor? A luz vindo da janela lembrou-lhe que havia vida lá fora, que havia vida na rua, na praia, no céu, no mar, o pequeno apartamento a sufocava. — não, apenas cansada. Ele caminhou até a cozinha, ela ouviu água saindo da torneira caindo no bule e o som do fósforo sendo riscado. Da sala vinha o som da televisão. Ela se espreguiçou, depois sentou-se ainda agarrada à almofada, a chaleira assobiou, ela apertou a almofada de encontro ao peito, calçou os chinelos, ficou de pé, preciso de um lugar para poder chorar em paz. Arrastou-se em direção à cozinha, ele continuava em frente à televisão assistindo aquela porcaria enlatada, rindo em silêncio. — qual é o chá? — o mentolado — respondeu ele distraído. Encheu uma xícara com chá para ele, ela se serviu do café, sentou perto dele e grudou os olhos na telinha.Ele bebia fazendo um barulho desagradável, quando o ouvira pela primeira vez não ligara, mas agora aquilo a irava. — não faça mais isso quando beber. — tá mesmo de mau humor. — estou deprimida. Ele ria acompanhando as risadas eletrônicas. Achou-o um imbecil, nunca pensara assim antes, por que as coisas mudam tanto? por que tem que ser assim? O show na tevê terminou, ela levou as xícaras vazias até a pia da cozinha, ele mudou de canal e ela voltou a sentar-se ao lado dele. Era um documentário sobre algum lugar na Irlanda, um pequeno porto, vilarejo de pescadores. Será que eu poderia morar ali? deve fazer muito frio por lá, as pessoas se vestem com sobretudos pesados e bonés de orelhas, se protegem do vento. Ela daria tudo para estar ali, andando à beira do mar e sentindo frio, estava cansada do calor do Rio, de Copacabana, desse abafado quarto e sala. E mais tarde beberia uma xícara de chocolate quente, sim, ela gostaria de morar ali, seria numa pequena casa rústica, de madeira, igual àquela que aparecia na telinha junto ao mar e ela teria seu violino e nos dias ensolarados tocaria o violino, mas ela nunca tocou nenhum instrumento, como surgiu esse pensamento? em dias frios ela assaria pão e beberia café na cozinha junto ao fogão de lenha lendo um livro sobre o amor puro e sincero. Levaria consigo a louça herdada da mãe, ele não daria falta da louça, nunca ligara para os objetos da casa a não ser por alguns discos, mas como ela ouviria os discos, eles possuíam apenas um toca-discos? deixaria-o para ele. Televisão? levaria a menor, aquela do quarto, mas pra que televisão naquele vilarejo? Examinou as paredes da sala, avaliou as aquarelas, não valiam nada, depois olhou as estantes, livros do pai, velhos, capas rasgadas acumulando poeira, por que ainda os guardava? viu os potes com tempero pela porta da cozinha, as panelas de cobre compradas dos ciganos, olhou as plantas perto da janela, não as levaria consigo, plantas tropicais morreriam no frio. Imaginou o apartamento vazio, os pregos nas paredes emoldurados pelas manchas desbotadas. Quem faria o chá para ele? bobagem, ninguém morre por não beber chá. Ficou ainda mais deprimida. Ele mudou de canal, ficou grudado no jogo de futebol. Os gritos dos torcedores não a perturbaram, os pios das gaivotas do vilarejo irlandês ainda ressoavam em seu ouvido. Mas antes de partir teria que aprender a tocar o violino.
ninguém é um Não há berro que disperse Ou que acalme esta pura Exclamação imperativa que desce A grade condicional da criatura. Agora o real é a nossa prece,
Que por mais intenso é tentativa. O sonho que não sangra Desmerece a coisa viva. O corpo é a nossa canga Que o espírito descativa.
Rochedo, begônia, cavalo, Eis a perfeita e dura dissonância. Quem Deus? Para suportá-lo Calcou-me o cerebelo, na ânsia Me vi entre o Eterno e o estalo,
Que é o sopro do dia na manhã — O pão, a sedenta, o azeite, O olhar que desfigura a sã Noção de incompletude sem enfeite Que o tempo em sua música vã
Nos descompassa e ceva. Continuamos cegos nessa fé Ou vamos tateando nas trevas? A imensidão desértica até, O sem-fulcro que nos leva,
Pois de arestas e falhas erguidos. Brandir o seu silêncio? Desadianta. Inflamar o seu cutelo? Distraídos É na ruína que mais se canta: Bale, cordeirinho, o seu balido
Não há de adormecer nem despertar Nem resolver o que desresolvido In secula seculorum estará. A noite que desce sobre o vivido E uma lua que não nasce no mar.
Voltemos então ao humano nu Ao sol a pino no chão Dos séculos que inquiri: — Tu, Pater, acaso ou cão Que nos deu alma e cu
O que quer deste todo insano? Pesemos numa balança cega Se a vida é dádiva ou dano Enquanto o tempo trafega. O que foi grego ou lusitano
Nesta noite a se debelar? — Que calar não calo! Rebela O que tem nome e sabe nomear, Mas seu código às vezes revela Que é insuficiente codificar.
Tudo é ido que se deteriora: Nossa conversa na sala, Crianças em ciranda lá fora. O tempo é música sem escala. A vida é pauta que se autodevora.
A finura com que miramos o mundo E ele se torna mais indevassável. Em vez de secar fica rotundo O mistério. É mistério imprestável? Não, não é. Vivê-lo um segundo,
Um dentro que não é redoma Posto que sem margem. O poema? Tristeza que nos toma E nos tritura em sua voragem — O sal da ciência, pena de paloma,
Ir de Saturno a Marte, Varrer a casa, lavar seu prato, Insaciabilidade em toda parte, Asfalto ou seixo de regato, Pompa e pasmo, guerra e arte,
Cevar o fel, matar o mendigo, Manter a aspidistra em vôo, Abrir a vala, colher o trigo, Sou o que sei? Sei o que sou? — O mel? Só venenos instigo!
Doar sem ver, brisa na face, Abnegado feito um santo Que Deus nenhum procurasse, Cantar como a ave o canto Sem ninguém que a escutasse.
Resta o respiro? Resta, resta. A sincera carícia do vivo Que nos toca na testa. — Mas não é incômodo nocivo A vida? — Mesmo assim presta!
O ser dissolvente no ar — Eis o que sonha a evasão, Mas a nervura de estar Traz-nos de volta ao chão, E nos pomos de novo a andar
Que por ser efêmero não quer Dizer que não queima. Osso por osso, nuca e pé, Víscera que é pura teima A perguntar: — o humano, o que é?
Não sabes, não saberia, não saberás. O verme, o que sabe de si? Nascer conjuga-se jaz E morrer é um pouco de Ti. — Nada ser, diz a Besta, mas
Nem o nada é nítido e exato. Tudo é desamparo e deserto, Pois ser se debate em fato Sensível, e rumo incerto. Cume de César num corpo de rato?
soneto chão de pequena ouvi cuida bem das planta tudo que cê precisa vem do chão teu canto arruda e sombra no enxadão a terra traz remédio e erva santa
debaixo do meu teto o saíra canta tem bênção no cruzar desse portão quem vem do mar calunga e imensidão se achegue eu boto um prato a mais pra janta
e rezo mais um santo na jurema mesmo que reme assim sem dar aviso meu terreiro inda estrala alguma gema
mas tirando a fartura de sorriso a igara do meu santo longe rema minha cura está alem do chão que piso
casa
e por não estarmos sós no universo, e por estarmos tão sós no universo, busco o melhor do mundo em outras histórias. mesmo no desconcerto, entre o cheiro de lençóis alheios, um sofá antigo, único habitante de uma enorme sala vazia. a vida, vem de uma maçã, que mora há dois dias numa bolsa e logo mais será um beijo. a insônia aposta com a madrugada quem ouvirá primeiro o despertador.
|